segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Se meu fusquinha verde falasse

Por C. Alfredo Soares 



Na coletânea de casos da minha adolescência, que venho trazendo aqui, não poderia deixar de falar do fusquinha verde do meu tio Zé Carlos.

Zé era, na verdade, nosso irmão mais velho, já que sua idade é próxima da nossa. Foi com ele que aprendi a andar de Monark barra forte aro 27. O método usado no aprendizado era simples; consistia em uma aula básica de como frear, montar e pular da bicicleta caso algo saísse errado. Essa parte de pular era importante, pois a pista ficava numa ladeira íngreme que tínhamos que descer pra aprendermos a nos equilibrar em cima da Bike. Por algumas vezes eu e meus primos Luís Carlos, Anderson e Emerson fomos parar dentro do capinzal que margeava a ladeira, por precaução.

Zé Carlos trazia as novidades do mundo novo que estávamos descobrindo naquela década de 70. Ele nos apresentou ao rock’roll. Ouvíamos Black Sabath, Suzy Quatro, Santa Esmeralda, Beatles. Havia uma vitrola Philco ou Phillips na sala da minha vó. Aos sábados à tarde, depois de encerarmos a casa,

ele colocava o som nas alturas – não era tão alto assim – e ficávamos ali com o amigo Enio, curtindo as novidades . Sempre tinha uma um grupo novo tocando. Ele e o falecido Ênio compravam LPs todas as semanas.

Me lembro de ouvir Led Zeppelim com estranheza, curti AC/DC, entre tantos outros.

Além de tocar LPs a vitrola sintonizava a rádio Mundial. Lá a gente escutava Big Boys e curtia as melhores dos Beatles.

Pois bem, um belo dia Zé Carlos surgiu com um fusca verde abacate que ele tinha comprado. Ter um carro naquela época era coisa de rico. Zé Carlos passou a levar a gente pra tudo que fosse lugar. Ele não era bom motorista, mas era corajoso. Certa vez fomos à praia no fusca. Carro lotado lá fomos nós. A estrada era horrível. Zé nunca tinha saído de Teresópolis e descido a serra , pegar uma BR era novidade pra ele – creio ter sido essa a primeira vez que eu vi o mar – saímos de madrugada de casa e fomos até Araruama. Era domingo. Foi uma aventura e tanto. A água muito salgada ardia os olhos e ressecava a pele. Voltamos de lá exaustos e felizes. Aquele passeio foi inesquecível.

A volta foi difícil com a estrada cheia, como acontece até hoje numa volta de domingo. Chegamos em Teresópolis a noite cheios de histórias pra contar e com o corpo assado pelo sal e sol.

Zé havia comprado o carro pra poder ir à domingueira do Clube Comary. A melhor balada da cidade. Quando fiz 14 anos ele passou a me levar com ele na boate. O fusca verde fazia o maior sucesso, apesar de nunca termos arrumado namoradas por causa dele.

Pra irmos a boate, no sábado, eu e Luis Carlos, tínhamos que lavar o possante. Lavar era jogar água com sabão, depois água com querosene e encerrar pra deixar brilhando. O serviço só acabava após retirarmos os tapetes e varrermos dentro do carro. Não havia aspirador. Os pneus tinham que ficar pretinhos. Pra isso passávamos uma solução que ele trazia. Nos vidros e painel usávamos silicone. Quando acabávamos Zé vinha conferir.

Aí era a hora da gente pedir pra dar uma voltinha. Ele tinha nos ensinado o básico da direção. Um belo dia, peguei o fusca e resolvi ir até o campinho dar uma voltinha rápida, não podia sujar o possante antes de Zé ver meu trabalho. Na pressa calcei um chinelo molhado, sentei no banco do motorista, liguei o carro e, depois de colocar a segunda marcha, deixei descer. Não tinha como acelerar, pois a Rua dos Pinheiros é uma ladeira e tanto. Fui até o campinho fazer uns círculos e voltei. Quando estava me preparando pra subir, meu chinelo escorregou do pedal do freio e, eu, acabei perdendo o controle do fusca dando de cara com um muro. O amigo Beto veio ao meu socorro, me acalmando, pois fiquei muito nervoso.

Pensava que meu tio ia me proibir de andar no carro e o meu pai me bater. Não tinha dinheiro pra pagar o prejuízo. Beto chamou Zé Carlos, ele veio, olhou o carro amassado, lamentou o ocorrido, mas me perdoou pelo dano causado. No domingo fomos a boate de ônibus. Não contei nada para o meu pai. Acho que nem ele contou, pois Papai nunca falou nada comigo. Com isso Zé Carlos deixou de ser tio e alcançou o nível de irmão.

A ele agradeço a mão carinhosa que me conduziu pela adolescência com tanto amor e apreço. Depois do fusquinha verde Zé não teve mais carro. Se teve eu não vi e nem quero ver. Talvez eu não tenha dito a Zé Carlos o quanto ele foi importante pra mim. Por isso digo agora: Zé, meu tio/irmão, você foi fundamental. E me desculpe por ter danificado o fusquinha verde.

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