"O esforço essencial é no processo de resgate da confiança, problema já detectado em Athayde e Ribeiro (2011) na investigação do Sistema Produtivo da Coagro. Aliás, esse modelo de organização produtiva de característica endógena se mostrou relevante na sustentação da atividade, mas não resolveu o problema da desigualdade, já que concentrou poder nos atores com maior capacidade de articulação política."
Fonte: Folha da Manhã (Folha1) de 3/08/2021
Alcimar Chagas - Desenvolvimento rural
no Norte-Noroeste Fluminense sob uma nova ótica
Neste momento de crise fiscal em Campos dos Goytacazes, muito se tem
falado na atividade agropecuária como alternativa econômica, até porque é
remota a possibilidade do retorno das robustas rendas petrolíferas do passado.
Em decorrência desse fato, iniciativas identificadas como projetos são
divulgadas sem a preocupação com os estudos mais atualizados da literatura. Na
avaliação crítica dessas iniciativas, esse artigo apresenta didaticamente
avanços importantes que precisam ser incorporados na formulação de políticas
públicas.
Repetindo práticas passadas, as propostas e ações
correntes dirigem o foco para aspectos materiais. Um projeto em evolução sob a
coordenação institucional acentua a importância da participação do estado na
limpeza de canais, transferência de recursos financeiros para o setor e
construção de centro de comercialização. Por outro lado, o governo local
divulga obras de melhoria em estradas vicinais, disponibiliza maquinário e
viabiliza espaços para comercialização dos produtos agrícolas.
Segundo a Organização para Cooperação
e Desenvolvimento (OCDE), ações com objetivo na propriedade, com base no setor
e uso de subsídio governamental, representam o velho paradigma que restringe
renda, expulsa os jovens do campo para as cidades e mantém no espaço rural a
característica de subsistência. Alternativamente, o novo paradigma deve ter
como objetivo as pessoas, através do investimento para ampliar a
competitividade das áreas rurais e valorizar os recursos não utilizados. Nesse
caso, o alvo chave são os vários setores da economia rural (turismo rural,
manufatura, indústria e tecnologia da informação), o envolvimento de todos os
níveis de governo (supranacional, nacional, regional e local) e vários atores
interessados locais (público, privado, ONGs), em substituição ao governo como
principal ator do velho paradigma.
A evidência da importância do novo
paradigma, com base na OCDE, está na forma de operação observada nas áreas
rurais, a exemplo das regiões Norte e Noroeste Fluminenses. O foco na propriedade
(visão microeconômica, cujo poder competitivo é esvaziado em função de gargalos
importantes como escala, dificuldade financeira, gestão deficiente, baixo nível
de informação, custo elevado de produção, alta dependência de intermediários,
nível de renda deficitária e incapacidade de investimento) é inconsistente para
a necessária transformação.
Assim, o receituário fundamental tem
como base o modelo de desenvolvimento neo-endógeno de Gkartzios e Scott (2014),
cuja força dinâmica é a promoção de uma nova relação urbano-rural e
local-global, por meio de governança inclusiva e arranjos multissetoriais. O
foco do desenvolvimento rural deve estar na criação e no bem estar da
comunidade com a construção de lugares mais resilientes.
No caso especifico do objeto da
análise, é necessário mudar a visão microeconômica por uma visão mesoeconômica,
na qual a ação individual deve ser substituída pela visão coletiva e de
reciprocidade, dirigindo o foco da propriedade para o território.
O conceito de território é relacional,
espaço onde ocorre a cooperação entre os agentes produtivos para a solução do
problema de escala. O processo de governança segue articulando os interessados
na busca de solução para os gargalos já identificados. Trata-se da construção
de uma rede de proteção com o objetivo de qualificar todo o processo, visando a
eliminação dos gargalos identificados. O fundamento estratégico desse processo
é a confiança que ao longo do tempo foi esgarçada, se constituindo em um
problema para ação coletiva na região.
O esforço essencial é no processo de
resgate da confiança, problema já detectado em Athayde e Ribeiro (2011) na
investigação do Sistema Produtivo da Coagro. Aliás, esse modelo de organização
produtiva de característica endógena se mostrou relevante na sustentação da
atividade, mas não resolveu o problema da desigualdade, já que concentrou poder
nos atores com maior capacidade de articulação política.
O modelo proposto nesse artigo dá um
passo adiante com o modelo neo-endógeno, cujo foco é em maior justiça socioespacial.
Como é difícil a sua operação na economia em sua totalidade, a proposta é
exercitar o modelo em um projeto piloto no contexto de uma visão sistêmica.
Um exercício desse modelo poderia ser
no planejamento da oferta de alimentos para atender às escolas públicas no
âmbito do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), envolvendo a
agricultura familiar no território. Afinal, o município recebeu de
transferência direta do PNAE em 2020 a importância de R$4.778.599,40, que foi
aplicada na geração de emprego no Espírito Santo e em outras regiões
exportadoras de alimentos para o município.
O exercício piloto se justifica ainda
em função da baixa representatividade do município no contexto agrícola do
estado. Enquanto o mesmo utiliza uma área para produção agrícola equivalente a
28,77% do estado, o número de produtores equivale somente a 5,0%, que
internalizam 8,0% do faturamento bruto do estado, segundo acompanhamento da
Emater-Rio.
Como observado, é estratégica uma
iniciativa de planejamento para o projeto piloto sob liderança de um núcleo de
governança, instituído por governo, universidade, centro de pesquisa e
instituições não governamentais, além de uma visão sistêmica da produção no
território.
Para compor essa estrutura, os passos
a seguir são fundamentais:
1.Identificação dos recursos
tangíveis e intangíveis com vantagem comparativa;
2.Gestão participativa para induzir a
formação de capital social;
3.Fomento à criação de economias de
aglomeração;
4.Planejamento e gestão da produção
no território.
A implantação dessas ações pode
resgatar a confiança e fortalecer a estrutura de capital social no espaço
territorial, com respostas efetivas na condição competitiva e valorização da
atividade, fazendo um caminho inverso com a atração de jovens para o campo. O
investimento em infraestrutura para o bem estar dessa população seria de
responsabilidade dos governos, que se beneficiariam com a elevação dos
indicadores econômicos, inclusive aumento das receitas tributárias geradas pela
criação e modernização de negócios com maior valor agregado.
* Alcimar Chagas é economista,
professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) e membro da
Academia Campista de Letras (ACL).
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Referências Bibliográficas
ATHAYDE, K.; RIBEIRO, A. (2011)
Elementos essenciais de Capital Social: Uma investigação no sistema Produtivo
Coagro. Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional, 2011.
GKARTZIOS, M. and LOWE, P. (2019)
Revisiting Neo-Endogenous Rural Development, in: Scott, M., Gallent, N. and
Gkartzios, M. (eds) The Routledge Companion to Rural Planning, Routledge: New
York.
OECD (2006), The New Rural Paradigm,
OECD publishing, Paris.
OECD (2019), Rural 3.0: People
Centred Rural Policy – Policy Highlights