CRISE DO PETRÓLEO, DEPENDÊNCIA DOS ROYALTIES E AJUSTE
FISCAL: O CASO DO MUNICÍPIO DE CAMPOS DOS GOYTACAZES/RJ
José Luis Vianna da Cruz (UFF), Cientista
Social. Doutor em Planejamento Urbano e Regional pelo IPPUR/UFRJ. Professor
Associado da UFF, Campos/RJ. Professor Permanente do Mestrado em Planejamento
Regional e Gestão de Cidades, UCAM-Campos/RJ
José Alves de Azevedo Neto, Técnico de Nível
Superior em Ciências Econômicas da Universidade Estadual do Norte Fluminense
(UENF). Professor da Universidade Estácio de Sá Campos-RJ. Mestre em
Planejamento Regional e Gestão de Cidades
E-Mail:
jalvesdeazevedo@yahoo.com.br
CRISE DO PETRÓLEO, DEPENDÊNCIA DOS ROYALTIES E AJUSTE
FISCAL: O CASO DO MUNICÍPIO DE CAMPOS DOS GOYTACAZES/RJ
RESUMO: O presente artigo tem
por finalidade demonstrar, através de indicadores econômicos, financeiros e
fiscais, a forte dependência do município de Campos dos Goytacazes/RJ, em
relação às rendas do petróleo e das participações especiais no recorte de tempo
circunscrito entre 2006 e 2014. Nessa linha, faz, ainda, uma análise sobre a
conjuntura de 2015, em que a crise fiscal dos municípios petrorrentistas explodiu,
em face da queda do preço do barril de petróleo. Enfatiza também o problema da
preguiça fiscal, em razão da acomodação dos gestores públicos ante os
abundantes recursos recebidos no período pesquisado. Aborda a questão da
justiça intergeracional, que não ocorreu. Por fim, trata dos empréstimos
milionários que a prefeitura municipal de Campos contraiu em novembro de 2014,
para fechar as suas contas que estavam desequilibradas e o de dezembro de 2015,
para cobrir o persistente déficit.
PALAVRAS-CHAVE:
Crise do Petróleo.Municípios Produtores. Desequilíbrio Fiscal Norte Fluminense.
OIL CRISIS,
DEPENDENCE OF ROYALTIES AND FISCAL ADJUSTMENT: THE FIELDS OF MUNICIPALITY CASE
OF GOYTACAZES / RJ
ABSTRACT: This article aims to
demonstrate through economic indicators, financial and tax the strong
dependence of the Campos municipality in relation to oil revenues and cameos in
cut time limited to 2006 to 2014. It provides an analysis of the year 2015 in
the fiscal crisis of petrorrentistas municipalities deepened in the face of oil
price fall. Also emphasizes the problem of fiscal laziness, due to the
accommodation of public managers, in the face of abundant resources received in
the period surveyed. It addresses the issue of intergenerational justice has
not occurred. Moreover, to portray the wealthy loans, the municipal government
of Campos, contracted in November 2014, to close their accounts that were
unbalanced and December 2015.
KEYWORDS: Oil Crisis.
Municipalities Producers. Fiscal Imbalance North Fluminense.
1: INTRODUÇÃO:
Este artigo tem como
proposta demonstrar, através de indicadores como oProduto Interno Bruto (PIB)
de 2013, o orçamento municipal e a arrecadação própria municipal entre 2006 a
2014,que o município de Campos se manteve fortemente dependente das rendas do
petróleo e das participações especiais, concedida pela Lei do Petróleo – de
1997 – decorrente, dentre outras hipóteses, do fenômeno denominado preguiça
fiscal, o que veio a determinar a gravidade da crise fiscal gerada pela queda
nos preços do petróleo, no segundo semestre de 2014. Busca destacar, ainda, através
de vários autores e pesquisadores, a falta de preocupação das sucessivas gestões
municipais em relação à justiça intergeracional.
Foi ressaltado no ano de 2014, ano eleitoral,
a prefeitura de Campos a despeito do seu orçamento de R$ 2,5 bilhões, um dos
maiores do país, dirigiu-se ao mercado financeiro local e contraiu empréstimo
junto ao Banco do Brasil, com o intuito de fechar as suas contas.
Posteriormente, em menos de um ano e meio, retorna à rede bancária, para
apanhar outro empréstimo, agora, na Caixa Econômica Federal, sempre a título de
cobrir o rombo fiscal.
Finalmente, relata uma parte
da entrevista do prefeito do município vizinho de Macaé, sede do Complexo
regional de Exploração e Produção de Petróleo-E&P, atual presidente da
OMPETRO-Organização dos Municípios Produtores de Petróleo da Bacia de Campos/RJ,
onderegistra aimportância de se elaborar um plano integrado de desenvolvimento
para a região.
2: CONTEXTO HISTÓRICO
RECENTE
Pode-se afirmar que o
município de Campos dos Goytacazes éfavorecido, no que se refere às condições
dos recursos naturais, como seu solo e subsolo, suas vastas riquezas naturais
ou suas commodities – caso do
petróleo. Tanto que, ao longo da sua formação histórica e econômica, as
oportunidades de extração e produção de riquezas no setor primário da economia,
seja no âmbito da agricultura como no da extração mineral, sempre estiveram
presentes nas suas conjunturas de dinamização econômica. Por outro lado,
produziram e reproduziram uma estrutura social altamente hierarquizada,
segregada e desigual, com um perfil socioeconômico de pobreza e carências, em
grande parte devido ao caráter monocultor (Cruz et al, 2005). Assim se deu em relação ao ciclo do açúcar, do século
XVIII aos anos 80 do século passado.
Fortuitamente, após
findar-se o significativo ciclo de produção da agroindústria de açúcar e álcool,
que imperou por mais de duzentos anos, surgiu, por sua vez, outra chance
promissora no que diz respeito à possibilidade e à esperança de alavancar,
econômica e socialmente, o município. Desta feita, com a descoberta do petróleo
na Bacia Petrolífera de Campos, nos idos de 1974, com início da produção em
1977.
Diversos agentes econômicos,
sociais e políticos, municipais e regionais tinham esperança de que poderiam
reverter o quadro adverso de desigualdade socioeconômica, herança desagradável
e verdade inconveniente do segmento sucroalcooleiro, por conta do extenso
passivo social, edificado e acumulado ao longo da história do açúcar na região
NF. Esse passivo apresenta, com traços indeléveis, uma profunda concentração de
renda, cujas consequências se traduzem na formação de imenso cinturão de
miséria, bolsão de pobreza e exclusão social, no entorno do município,
visivelmente identificado no território da cidade. Seja ao norte ou ao sul,
destacam-se as favelas, demonstrativos de indicadores sociais cruéis, a
despeito do grande parque industrial açucareiro estruturado no passado. A
injustiça social é uma realidade flagrante e avassaladora.
Todavia, com a Lei Federal
9.478/97, conhecida como Lei do Petróleo, que aumentou enormemente o percentual
de royalties e criou as participações
especiais-PE,
os estados e municípios produtores
foram privilegiados com o recebimento das maiores fatias das rendas
petrolíferas. No Estado do Rio de Janeiro, alguns poucos municípios da
mesorregião Norte Fluminense, como Campos, Quissamã, Carapebus, Macaé e São
João da Barra, e outros cinco da mesorregião Baixadas Litorâneas, concentram
essas rendas. A Lei decretou a quebra do monopólio estatal na extração de
petróleo, exercido por uma das maiores empresas do ramo de petróleo do mundo, a
Petrobrás, criada nos anos cinquenta, através da lei 2.004 de 3 de outubro de
1953, pelo então presidente da República, Getúlio Vargas, com intuito de manter
sob domínio brasileiro a exploração do Petróleo.
Cabe aqui ressaltar que,
antes da lei 9.478/97, somente a Petrobrás pagava royalties aos municípios
considerados produtores, num montante não muito significativo; a partir da
promulgação dessa lei,estendeu-se tal obrigatoriedade às demais petroleiras.
O diploma legal trouxe, no
seu bojo, o reforço das distorções causadas pela definição dos municípios produtores, com privilégio
para os confrontantes, elaborada pelo
IBGE-Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que apontou um número
reduzido de municípios com direito a receber a maior parte das compensações
financeiras.Serra (2006, p. 183) critica o traçado, alegando que o critério
acima se utiliza de um “brutal
determinismo físico”; em outras palavras, houve nítido privilegiamento de
um grupo pequeno de municípios.
Em face deste inusitado
cenário, tais municípios transformam-se repentinamente, em municípios “novos
ricos” (Serra e Leal, 2003, p.308), contemplados comas vantagens pecuniárias
dadas pela lei federal, o que faz com que o município de Campos figure como o
maior produtor de petróleo do Brasil, ou
melhor dizendo, o maior recebedor de rendas petrolíferas, em virtude de
encontrar-se em seu espaço territorial do mar continental um número expressivo
de plataformas de petróleo, ao compará-lo com os demais municípios da bacia
petrolífera, por ter sido favorecido pelos determinismos físicos acima
mencionados.
Fundamentando ainda mais,
sobre o critério utilizados para distribuição das rendas petrolíferas, com base
no determinismo físico. Pontes, Serra, Terra, (2006) afirmam:
Ao focar a questão da
distribuição própria à esfera municipal, descobre-se: I) que a ocorrência
espacial da atividade de E&P, adensada na Bacia de Campos, aliada às regras
de rateio das rendas petrolíferas, promove uma severa concentração destas
rendas em poucos municípios, mormente para aqueles componentes da Organização
dos Municípios Produtores de Petróleo do Estado do Rio de Janeiro (Ompetro); II)
que essa elevada concentração das rendas petrolíferas deve-se, sobretudo, à
presença de um determinismo físico presente nas regras de rateio, o qual
valoriza mais a proximidade física, ou a confrontação de municípios costeiros
com as áreas de E&P na plataforma continental do que os efetivos impactos
territoriais da indústria petrolífera. (p. 62).
Com o objetivo de ilustrar e
reforçar, a argumentação dos pesquisadores acima, destacar-se-á o PIB do
município de Campos, concentrado, em 65,01%, no segmento industrial,
simplesmente por conta da expressiva produção de petróleo, que ocorre na bacia
de Campos – embora as instalações físicas se situem no município vizinho de
Macaé – pelos critérios já expostos anteriormente.
Tabela 1: PIB de Campos dos
Goytacazesem 2013 (mil reais)
Valor
adicionado bruto da Agropecuária
|
147.430,
|
Valor
adicionado bruto da Indústria
|
37.865.660,
|
Valor
adicionado bruto dos Serviços
|
16.009.717,
|
Valor
adicionado bruto da Administração Pública
|
3.073.955,
|
Imposto
sobre produtos líquidos
|
1.152.694,
|
PIB
a preços correntes
|
58.249.456,
|
Fonte: IBGE-CIDADES (2016)
Sobre o PIB inflado com os
números das rendas petrolíferas, Ribeiro (2014) afirma:
Campos dos
Goytacazes, Carapebus, Macaé, Quissamã, e São João da Barra apresentam
substancial concentração de suas riquezas no setor industrial, exatamente em
função da atividade petrolífera desenvolvida no mar. (...) os processos ocorrem
fora do espaço territorial e esses municípios não exercem nenhum controle sobre
a atividade, exceção de Macaé, que conta com uma estrutura produtiva importante
em seu território. Os recursos oriundos das indenizações compõem o orçamento
municipal que é gerenciado pelo executivo local e a única certeza é que um dia
esses recursos podem esgotar. (p. 39)
3: JUSTIÇA
INTERGERACIONAL
A justiça intergeracional, à
guisa de esclarecimento, consiste na construção de um ambiente favorável à
implementação das políticas públicas, seja na área da saúde, da educação, da
infraestrutura econômica e social, e diversificação produtiva, sustentáveis,
capazes de serem usufruídas pelas futuras gerações, em decorrência do usufruto
da exploração de recursos naturais finitos, configurando um planejamento de
médio e longo prazos.De acordo com Serra (2004)
Sob uma perspectiva
moral, o royalty deve ser entendido
como um instrumento de promoção da justiça intergeracional. Sacar do subsolo,
hoje, uma riqueza finita, sem a impossível autorização das futuras gerações, é
uma decisão que exige compensações intergeracionais. Essas compensações devem
ser promovidas em escalas governamentais distintas. (apud Matinez- Alier, 1987,
p. 184)
Ainda sobre a justiça intergeracional:
A promoção da justiça
intergeracional deve ser alvo de toda política de desenvolvimento. Os investimentos
em saúde, educação, infraestrutura básica e produtiva, qualificação
profissional, modernização da máquina administrativa, diversificação produtiva,
entre outros, poderiam, rigorosamente serem defendidos como ações de
desenvolvimento, e por que não, ações sensíveis em relação as gerações futuras.
Se “não me escapa que o verdadeiro desenvolvimento se dá nos homens e nas
mulheres e tem importante dimensão política” (...), não há, portanto, como
eleger uma única forma de alcançar a promoção da justiça intergeracional, pois
essa se confunde com o próprio desenvolvimento. (Pontes, Serra, Terra, 2006,
p.70):
Com isso Campos, passa a
compor uma nova classe de municípios, conforme reforça outro argumento:
Dessa conjugação de
fatores surge uma nova classe de municípios, que começam a ser denominados na
literatura especializada, especialmente por Rodrigo Serra, de municípios petrorrentistas. Tal município, apesar
de considerados ricos relativamente à média dos municípios de mesmo porte, nem
sempre tem alocado as receitas operacionais, particularmente as de royalties,
na resolução dos problemas sociais advindos dos impactos causados pela
atividade instalada. Note-se que existe o risco de preguiça fiscal, ou seja, os
governos locais tornam-se excessivamente dependentes dessas receitas e não
fazem esforço de arrecadação das receitas de outras fontes geradas nos
municípios. (Givisiez e Oliveira, 2007, p. 139)
O fato de auferirem rendas
abundantes, sem sediarem atividades produtivas, reforça a concepção rentista da
gestão administrativa. Pode-se verificar e constatar na prática, que a previsão
de Serra (2007), a respeito da possibilidade, aventada por ele, em relação ao
risco da preguiça fiscal, se materializa, através da arrecadação dos tributos
de competência privativa do município, ao longo do período de 2006 a 2014,como
provam os dados apresentados a seguir pelas Tabelas 2 e 3.
Tudo indica que esses administradores
se acharam no perigoso direito de não incomodar os contribuintes com as
necessárias e devidas cobranças dos tributos municipais, como o IPTU, o ISS, o
ITBI e as Taxas, acreditando, talvez, que as rendas do petróleo seriam
infinitas.Por conta disso, deitaram-se sobre o colchão financeiro formado no
período, abandonando, quase por completo, a arrecadação municipal.
Comportamento este que produziu uma dependência financeira dos recursos da
extração mineral de mais de 50% do orçamento municipal, em média, como se verá
a seguir.
Tabela 2: Composição do Orçamento
Municipal de Campos (MilhõesR$ – Valores Correntes) em relação aos Royalties e
Participações Especiais
|
2006
|
%
|
2007
|
%
|
2008
|
%
|
2009
|
%
|
Receitas Próprias
|
56,560
|
4,5
|
62,659
|
5,1
|
65,503
|
3,9
|
66,037
|
4,6%
|
ICMS
|
121,883
|
9,8
|
135,411
|
11,1
|
169,908
|
10,2
|
181,231
|
12,7%
|
Outras Receitas
|
214,745
|
17,2
|
249,517
|
20,4
|
243,831
|
14,6
|
289,007
|
20,3%
|
Royalties+P. E.
|
855,995
|
68,5
|
773,365
|
63,3
|
1,193
|
71,3
|
887,292
|
62,3%
|
Orçamento Total
|
1,249
|
100
|
1,220
|
100
|
1,672
|
100
|
1,423
|
100%
|
Fonte: Adaptado pelo Autor (Execução do Orçamento
Municipal 2006/2014 PMCG)
Em 2006 a prefeitura recebeu,
de royalties e participações especiais, R$ 855.995 milhões, um percentual de
68,5% em relação ao orçamento total. A receita própria municipal participou com
4,5%. O ICMS, receita transferida pelo o Estado aos municípios teve peso de
9,8%.Uma parcela deste percentual se beneficia da extração do petróleo, uma
vez que o valor adicionado, das operações de circulação e prestação de
serviços realizadas no Estado,está sujeito à incidência do ICMS. Cada unidade econômica
instalada nos municípios declara suas atividades à Secretaria de Fazenda do
Estado do Rio de Janeiro, com o fito de se apurar o índice de participação
municipal, cuja aplicação ocorrerá sobre a arrecadação estadual total do ICMS,
que vigerá no ano subsequente, ao ano base da apuração.
Em 2007 a Agência Nacional de
Petróleo (ANP) creditou no tesouro municipal o total de R$ 773,365 milhões, correspondente a 63,3% do orçamento, uma
queda de 9,65%, em relação a arrecadação da mesma fonte de receitado ano de
2006. A receita própria variou positivamente em relação ao ano fiscal de 2006, com
5,1%, refletindo, provavelmente, a queda. O ICMS subiu para 11,1%, em relação
ao ano anterior, talvez pelas mesmas razões.
No período de
2008, o peso das compensações financeiras chega a 71,3%, do total do orçamento
municipal, correspondendo ao valor absoluto de R$ 1,193 bilhões.A receita
própria do município fica no patamar de 3,9% e a do ICMS, em 10,2%, o que
mostra que essas variam em função das rendas e não do esforço de arrecadação.
Em 2009 os
números seguem a tendência, ou seja, mantém uma dependência acima de 60% do
orçamento, com um aumento do peso do ICMS, que também varia de acordo com as
mesmas.
Tabela 3: Composição do
Orçamento Municipal de Campos (MilhõesR$ – Valores Correntes) em relação aos
Royalties e Participações Especiais
|
2010
|
%
|
2011
|
%
|
2012
|
%
|
2013
|
%
|
2014
|
%
|
ReceitasPróprias
|
104,005
|
5,6
|
126,295
|
6,2
|
145,566
|
6,1
|
179,06
|
7,4
|
173,857
|
6,3
|
ICMS
|
236,062
|
12,6
|
267,348
|
13,1
|
293,224
|
12,2
|
348,106
|
14,5
|
327,775
|
11,9
|
Outras
Receitas
|
417,393
|
22,4
|
267,348
|
22,6
|
619,493
|
25,8
|
566,593
|
23,6
|
1,004
|
36,5
|
Royalties
e P. E.
|
1,109
|
59,4
|
1,188
|
58,1
|
1,345
|
56,0
|
1,311
|
54,5
|
1,249
|
45,3
|
Orç.
Total
|
1,867
|
100
|
2,044
|
100
|
2,403
|
100
|
2,404
|
100
|
2,756
|
100
|
Fonte:
Adaptado pelo Autor (Execução do
Orçamento Municipal 2006/2014 PMCG)
Observando-se a tabela III e
comparando-se com a tabela anterior, percebe-se que, a partir de 2010, há uma
queda na média da dependência do orçamento em relação às rendas, e um ligeiro
aumento do peso da arrecadação própria, na razão direta da queda daquelas. No
entanto, em valores absolutos, há um expressivo aumento das receitas próprias,
o que exigiria um estudo mais aprofundado. No entanto, estudos recentes
permitem atribuir tal movimento ao aumento das atividades de comércio, serviços
e construção civil, ligadas à implantação do Porto do Açu, em S. João da Barra,
na divisa com Campos dos Goytacazes, uma vez que, em termos de atividades
industriais, o município se manteve em decadência(CRUZ; AZEVEDO NETO, 2015).
Em 2014, os valores
absolutos dos royalties e das participações, atingiram o quantitativo de R$
1.249 bilhões, o menor valor da série, uma vez que com correção monetária,
equivale aos de 2010 e 2011. A receita própria ficou com o percentual de 6,3% e
o ICMS, em 11,9%. Tais números refletem a queda nos valores das rendas
petrolíferas, ocorrida na segunda metade de 2014. A dependência dos royalties e
das participações especiais neste ano, atingiram apenas 45,3%, o menor índice
da série histórica aqui apresentada. Ao final de 2014 a Prefeitura levantou um
empréstimo no Banco do Brasil.
Tais indicadores, demonstram
que a dependência se mantém expressiva, já numa conjuntura de crise, após 16
anos de rendas abundantes disponíveis para políticas de cunho intergeracional,
o que teria permitido aumentar a base e os valores da arrecadação própria. As
hipóteses de preguiça fiscal e de omissão em política intergeracional
permanecem de pé.
Piquet (2007) apresenta uma
excelente síntese dos diferentes aspectos que envolvem a arrecadação e
aplicação das compensações financeiras oriundas da produção petrolífera no
Norte Fluminense.
O que significa
custear a máquina pública com as rendas petrolíferas? Ou de forma alternativa:
o que significa não reservar a integridade das rendas petrolíferas às despesas
com investimentos?I: Um elevado risco para solvência financeira desses
municípios, dado o caráter errático dessas rendas. Sabe-se que tais rendas
variam com o câmbio e o preço internacional do petróleo e gás. Contudo, para
alguns municípios, cujas rendas petrolíferas dependem do volume de uma ou
poucas unidades produtivas, o risco é ainda mais elevado, devido à
possibilidade de paradas técnicas e acidentes que podem ocorrer nessas unidades
de produção;II: Um descompromisso dos gestores públicos com a justiça
intergeracional, a qual deveria, idealmente, orientar as aplicações das rendas
petrolíferas, dado que estas incidem sobre a extração de recursos não
renováveis;III: Potencializar os argumentos contrários às regras vigentes de
rateio das rendas petrolíferas, tão favoráveis a tão poucos beneficiários
locais;IV: Uma necessidade dos gestores em aumentar o quadro de pessoal como
forma de operar os equipamentos e os serviços públicos ampliados com os gastos
de investimento. Este fato traz à tona o debate acerca da proibição legal do uso
das rendas petrolíferas para pagamento do quadro permanente de pessoal,
conforme Lei 7.990/89. (apud, Braga, Serra, Terra, p.178)
Ante a crise atual, pode-se
afirmar que não foi por falta de alerta, de análise e de proposição que os
municípios produtores vieram a se defrontar com uma profunda crise orçamentária
desde o final de 2014.
Ante a crise, a Prefeitura
de Campos,município com o maior orçamento da bacia petrolífera, captou dois
empréstimos no mercado financeiro, em menos de um ano e meio, tendo sido o
único a recorrer à rede bancária até este início de 2016, para se financiar,
calçado na alegação de que a prefeitura está em dificuldades financeiras em
virtude da queda do preço do petróleo, coincidentemente compatível com o primeiro alerta
de Piquet na citação acima.
4: O COMPROMETIMENTO
DA ARRECADAÇÃO MUNICIPAL FUTURA
O município de Campos,
recebedor da maior parte dos recursos dos royalties e das participações
especiais da região NF, contraiu empréstimo junto ao Banco do Brasil, devido a uma
suposta possibilidade de insolvência financeira, conforme veiculado pelos
jornais do município, após o processo eleitoral de 2014.Membros do governo
municipal alegaram que o aludido empréstimo seria por conta da acentuada redução
da arrecadação das rendas petrolíferas, decorrentes, principalmente, da queda
do preço do barril de petróleo.Embora a base do argumento remeta a um fato
observável – a queda no preço do barril de petróleo – a sua utilização como
justificativa fica frágil, tendo em vista que o orçamento de 2014, no valor de
R$ 2,5 bilhões, foi realizado plenamente do ponto de vista financeiro, tendo,
inclusive, suplantado o valor orçado pelo executivo, em agosto de 2013, e aprovado
pela Câmara Municipal.Somando-o ao empréstimo realizado no Banco do Brasil, de
R$ 250 milhões, o orçamento totalizou R$ 2,7 bilhões, conforme registrado na
tabela III. Portanto, não se trata de despesas previstas acima do arrecadado de
fato.
Outro aspecto que fragiliza a
versão utilizada pelo governo municipal para justificar o endividamento
financeiro da prefeitura, e com isso, a necessidade de se contrair o empréstimo bancário,
é o próprio preço do barril de petróleo, cujo valor só começa a declinar abaixo
da cotação de U$$ 100,00, apenas no mês de setembro de 2014, quando atingiu o
patamar de U$$ 94,67, conjuntura que não
era suficiente para abalar a arrecadação dos royalties e das participações
especiais, conforme gráfico 1, adiante.
Gráfico 1: Preço do barril do
petróleo: 2014 e 2015.
O Executivo Municipal
encaminhou ao poder legislativo o projeto de lei que autorizava contrair tal empréstimo,cedendo na ocasião, em pagamentos, os
direitos aos recursos atinentes à arrecadação futura dos royalties e das
participações especiais, relacionadas a exploração de petróleo e gás natural.
Comprometeu a arrecadação futura com a dívida presente, conforme a lei municipal
de n° 8.598/2014, publicada no Diário Oficial do Município, no dia 18/11/2014
“... que autoriza o Executivo a ceder à instituição financeira pública créditos
decorrentes dos royalties e participações especiais e compensações financeiras
relacionadas à exploração de petróleo e gás natural para pagamento de
empréstimo...” (Folha da Manhã, 28/11/2014, p. 02).
Foi publicado o Extrato de
Contrato no Diário Oficial do município em 26/11/2014, com o valor global contratado
no Banco do Brasil S.A, de R$ 304.060.246,84 (trezentos e quatro milhões,
sessenta mil, duzentos e quarenta e seis reais e oitenta e quatro centavos). A
assinatura do contrato ocorreu no mesmo dia da publicação do extrato.
As condições deste empréstimo,
aprovado a toque de caixa na Câmara Municipal, só vieram a lume mais tarde,
após um dos vereadores de oposição entrar com uma ação no judiciário local
pedindo a sua suspensão, o que culminou numa liminar favorável, impedindo tal
concessão de crédito. Logo de imediato a Procuradoria Geral do Município
recorreu da sentença do juiz da Comarca de Campos, obtendo êxito em segunda
instância, derrubando a liminar. O total dos juros pagos foi de 54 milhões de
reais, retidos no ato da liberação do crédito, entrando no tesouro municipal o
valor de 250 milhões de reais.
Em 2015,
especificamente em dezembro, 13 meses após recorrer ao primeiro empréstimo, a
prefeita recorre à Caixa Econômica Federal e contrai outro empréstimo, desta
vez no valor de R$ 200.000.000,00 (duzentos milhões de reais).Os juros
totalizaram R$ 107.910.677,61 (cento e sete milhões, novecentos e dez mil,
seiscentos e setenta reais e sessenta e um centavos) (Folha da Manhã, acesso
dia 13 de janeiro de 2016).O gráfico abaixo retrata as duas parcelas dos juros
pagos pela prefeitura.
Gráfico
2: Empréstimos contraídos pela Prefeitura
Municipal de Campos e respectivos juros descontados
Fonte: Elaborado pelo Autor (2016)
Importante reforçar que a
prefeitura de Campos pagou antecipadamente, até o início de 2016, relativo, tão
somente,à conta de serviços da dívida ou de juros, R$161. 910.677,60 (cento e
sessenta e um milhões novecentos e dez mil e seiscentos e setenta e sete reais
e sessenta centavos). Entrou no tesouro municipal o capital líquido de R$
450.000.000,00 (quatrocentos e cinquenta milhões), no período de treze meses, o
que equivale a 18% do orçamento de 2014. Nunca é demais lembrar que a dívida
líquida será paga com as rendas futuras, dependentes das oscilações dos preços
internacionais do petróleo e reféns da lei que deverá ser liberada pelo STF,
que redistribui as rendas por todos os municípios e estados do país, caindo
enormemente o percentual que cabe atualmente aos municípios produtores, sendo
Campos o principal deles.
5:
DECRETO 01/2016 DE ESTADO DE EMERGÊNCIA ECONÔMICA
Os dados aqui apresentados
permitem levantar a hipótese de que as contas municipais já apresentavam
desequilíbrio fiscal e forte indício de endividamento, desde o ano de 2014,
devido à má gestão e ausência de expansão da base e dos valores da arrecadação
própria. Caso não estivesse mergulhada, antecipadamente, numa crise fiscal,
seria desnecessário recorrer ao Banco do Brasil, já em novembro de 2014, quando
contraiu o seu primeiro empréstimo.
Em virtude do agravamento da
crise fiscal ao longo do ano de 2015, a despeito dos dois empréstimos
contraídos nas duas instituições federais,a prefeita se vê instada a fazer um
austero ajuste fiscal. Por conta disto, resolve decretar Estado de Emergência
Econômica, no âmbito da Administração Pública Municipal, pelo prazo de 120
dias, podendo prorrogá-lo por igual período, caso a situação econômica atual se
mantenha inalterada,publicando no dia 25/01/2016, o Decreto 01/2016.
São decretadas inúmeras medidas de contenção
de despesas, como por exemplo: rescisão de contratos e convênios, para
adequação ou extinção, suspensão de pagamentos a fornecedores e prestadores de
serviços, para avaliação, criação de comissão para reavaliação de obras,
contingenciamento de 30% das despesas previstas no orçamento, suspensão de
cessão e/ou disponibilidade de servidores, implementação de plano de aposentadoria voluntária, a
realização de estudos técnicos para redução dos cargos efetivos, com adequação
da folha de pagamento à nova realidade municipal.
6: FUNDO DO POÇO E O
DESPERTAR DO “REGIONALISMO”
Em fevereiro de 2015, quando
ocorreu a eleição do novo presidente da OMPETRO, o preço do barril do petróleo
no mercado internacional chegou ao valor de U$$ 62,58, uma queda de 33,90%,
comparado a setembro/2014, que estava em U$$ 94,67,conforme o gráfico I.
Acendeu-se, assim, a luz amarela para os prefeitos da região.
Por conta deste fato, o
prefeito recém-eleito presidente da OMPETRO lança mão de um discurso em torno do desenvolvimento regional integrado, defendido
longamente por estudiosos e pesquisadores sobre o NF e a economia regional do
petróleo, ao longo dos anos do ciclo do petróleo, quando a abundância rentista
fechou os ouvidos dos gestores municipais.
Com a escassez dos royalties
e participações especiais, em razão dos fatores aqui apresentados, os prefeitos
da região sentiram na pele a chegada do futuro anunciado de escassez de
recursos, viesse ele por quais das razões aqui apontadas e sintetizadas por
Piquet (2007).Os prefeitos dos municípios “produtores” de petróleo, que compõem
a OMPETRO, resolvem trazer para si a bandeira do desenvolvimento regional,
conforme ilustra reportagem do jornal A Folha da Manhã:
Em seu discurso como
o novo presidente, Dr. Aluízio, prefeito do Município de Macaé, destacou a
importância do esforço integrado entre os municípios, como o fortalecimento do
Núcleo de Desenvolvimento Regional, que será responsável por buscar, junto ao
Governo Federal, medidas que auxiliem a estabilidade econômica e social da
região responsável por 80% da produção nacional de petróleo e que abriga uma
população de 1.2 milhão de habitantes. -
“O momento requer de nós, coragem para adotar medidas que consigam minimizar o impacto
à população, como corte de salários, revisão de contratos, dentre outros,
principalmente para garantir aos nossos cidadãos qualidade de vida e o direito
ao emprego. Precisamos pensar de maneira regional, a fim de garantir a
valorização de nossas cidades, tão importantes no contexto nacional por sua
contribuição na autossuficiência brasileira na produção de petróleo,
conquistada em 2006 e, atualmente, na exploração do pré-sal” – pontuou Dr.
Aluízio. (Reportagem exibida dia 26 fev 2015, p.2)
Tal consciência nunca havia
sido manifestada, até então, por nenhum chefe de executivo dos municípios
privilegiados.
7: CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Dentro do contexto de
abundância de tantos recursos financeiros recebidos pelo município de Campos,
percebe-se que ocorreu uma espécie de inércia produtiva, sem nenhuma
transformação dos ativos financeiros oriundos das rendas dos royalties e
participações especiais, em ativos reais, como, por exemplo, uma base
industrial que pudesse retroalimentar o processo econômico sustentável no
futuro, quando estas rendas finitas do petróleo, não mais existirem (AZEVEDO
NETO, 2015.).
Constata-se que, além de não ocorrer a transformação das rendas do
petróleo em riqueza, o município de Campos incorreu naquilo que Serra(2007) chamou
de preguiça fiscal, uma acomodação por parte dos gestores públicos que passaram
pela prefeitura sem melhorar a arrecadação própria do município, devido ao
receio de incomodar os contribuintes da cidade, ou pensando, provavelmente, de
forma eleitoreira, contando com receitas das indenizações do petróleo
crescentes e infinitas,com uma taxa média de dependência orçamentária acima de
50%.
Verificou-se, ainda, que o
município de Campos não se preocupa com as gerações futuras, através do investimento
em políticas públicas na área de saúde, educação, mobilidade social e diversificação
econômica, dentre outros; e, para agravar, adentra o novo século endividando-se
através do comprometimento de rendas futuras instáveis e imprevisíveis, mas, na
certa, menores que as atuais, até 2020.
8: REFERÊNCIAS
BIBLIOGRAFICAS:
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NETO, José A. O desafio do fomento à
industrialização em áreas de economia de extrativismo mineral: o caso do
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