Economia Fluminense em debate
Neste artigo são apresentadas propostas para o desenvolvimento do Rio de Janeiro, seguindo as considerações expostas nos artigos Contribuição ao debate sobre a economia e Economia fluminense em debate. As ideias estão alinhadas a cinco eixos considerados prioritários: I. Estrutura produtiva; II. Finanças públicas; III. Dimensão territorial; IV. Lutas federativas; e, V. Produção reflexiva e gestão governamental.
I – Eixo da estrutura produtiva
Partindo do fato de a estrutura industrial do Rio de Janeiro ser competitivamente frágil – com exceções, como a indústria automotiva e alguns nichos agroindustriais, dentre outros – e pouco encadeada, entendemos que o presente eixo deve ser considerado sob dupla angulagem: enquanto vetor de dinamização econômica e suporte para o crescimento da renda e do emprego – ambos ao longo do tempo. Sob a primeira perspectiva, tendo em vista os grandes mestres da boa teoria econômica (sobretudo Keynes, Kalecki e Schumpeter), cumpre enfatizar que o investimento é fundamental – ou seja, ele é a variável macroeconômica chave – para a dinamização da economia. É dizer: conquanto implique aumento potencial da oferta na economia, dada a capacidade instalada que gera, o investimento é essencialmente propulsor/demandante da produção de máquinas e equipamentos (os chamados efeitos para frente e para trás cumprem aqui papel crucial para a ativação da economia). Já no que concerne à segunda perspectiva, importante observar que o investimento opera como suporte para a geração de emprego (vide o chamado efeito-multiplicador keynesiano), bem como para a ativação econômica ao impedir, quanto mais for diversificada e encadeada a indústria em dado recorte espacial, que a queda da demanda em algum setor econômico/produtivo e/ou espaço específicos implique em imediata e generalizada crise da economia como um todo. Além disso, observe-se que uma estrutura robusta e encadeada no âmbito do estado contribuiria para a redução de vazamentos de renda via compras, quer para outras unidades federativas, quer via importação, para o exterior, evitando ou reduzindo assim problemas nas contas externas do próprio país. Mais: o investimento opera (ainda) como antídoto para que pressões de demanda resultem em alta pronunciada de preços por conta da capacidade ociosa que caracteriza as empresas de bens de capital – tipicamente operadoras em mercados do tipo oligopolista.
Nesse sentido, mostra-se urgente considerar prioritariamente o setor indústria na medida em que sua economia, para crescer sustentadamente no tempo, não deve funcionar apenas às expensas do setor terciário (aspecto esse recorrentemente destacado nas análises sobre a economia fluminense e, em especial, a carioca). Para tal, uma vez mapeada a estrutura industrial em questão, necessário repensá-la de sorte que venha a ocupar lugar/papel de relevo na agenda do desenvolvimento do Estado do Rio de Janeiro; e, “pari passu”, fazer com que sejam retomados os investimentos no Polo GasLub Itaboraí (nos moldes do antigo COMPERJ), o que recuperaria encadeamentos na indústria do petróleo e gás; lutar para que volte a valer legalmente a política de conteúdo local da exploração do petróleo (que impacta positivamente sobre a indústria naval, por exemplo), o que implicaria rever a atual estratégia da Petrobras, no sentido de retomar a horizontalidade do encadeamento dos seus ativos produtivos, particularmente no “downstream”; idem quanto à retomada dos investimentos federais que estavam em curso no estado até passado relativamente recente (vide as muitas obras paralisadas a partir aproximadamente de 2016); estimular a constituição ou o desenvolvimento de algumas cadeias produtivas, como o são as da saúde, a da moradia (a habitação propriamente dita e seu entorno), assim como as dos nichos agroindustriais no interior do estado, como o café e as bebidas certificadas, como cachaça, cerveja e gin etc., fomentando as relações, ainda tímidas, mas já bastante significativas, entre Universidades e Centros de Pesquisa, Fundo Público e Grupos Produtivos. Destaque-se, ainda, a crescente produção agroecológica de alimentos por parte das mais de três mil famílias de assentados do interior, necessitando de políticas públicas de fomento e comercialização.
II – Eixo finanças públicas
O presente eixo é tão fundamental quanto o industrial para a promoção do desenvolvimento do Rio de Janeiro. Anote-se que o primeiro requer a elaboração de um diagnóstico acerca da matriz industrial a definir (pensado em vista de todos os espaços fluminenses), dada a necessidade de tornar a estrutura tributária progressiva (fazer pagar mais quem ganha mais e não quem ganha menos) e direcionar os gastos públicos para as maiorias populacionais do estado (apontando-se dessa forma, dentre outras coisas, para o fortalecimento do mercado interno). Mas não haverá outro jeito: ou será isso ou não se terá como fomentar o desenvolvimento econômico sustentado do estado. Acrescente-se que os conflitos a serem estabelecidos exigirão envolver o ente federal nessa discussão. Nesses termos, será necessário lutar por uma reforma tributária de caráter progressivo no âmbito federal, dada a sua importância para o desenvolvimento do estado e do conjunto do país.
Mas para alcançar esse intento será imprescindível ir além, como segue: questionar a cobrança do ICMS no destino e não na origem, como ocorre com todos os bens e serviços, com as exceções dos casos do petróleo, gás e energia elétrica, itens esses em que o Estado do Rio de Janeiro é ‘superavitário’; questionar a atual legislação do REPETRO, posto que ela reduz a receita de ICMS do estado quando da importação de equipamento para a extração de petróleo no litoral fluminense; igualmente questionar as regras que elevam os salários e as aposentadorias de membros do poder judiciário do estado que extrapolam o teto constitucional estabelecido no país – e que assim sendo ‘sangram’ as contas públicas (fato esse que é praticamente regra, aliás, em todos os estados brasileiros); também questionar a lei do teto dos gastos e sua imbricação direta com a venda de ativos públicos, que ao invés de contribuir para o desenvolvimento estadual tende a constrangê-lo; etc. Deve-se aperfeiçoar o recém-criado Fundo Soberano, alimentado com um pequeno percentual do excedente da arrecadação prevista de royalties e participações especiais, no sentido de torná-lo um instrumento do desenvolvimento planejado, articulando o curto, médio e longo prazos, e não um balcão de favores e trocas eleitorais, em obras pulverizadas e desconectadas de um projeto de desenvolvimento. Ainda mais se considerarmos sua potencialidade, dada não só pelo elevado preço do petróleo, como pelo aumento da produção do Pré-Sal na parte confrontante com o Rio de Janeiro, além de novas descobertas na Bacia de Campos. Na busca por recursos para financiar o desenvolvimento do estado será preciso, ademais, buscar para valer recursos em agências internacionais, tais como o BIRD (Banco Mundial) e BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).
Isto posto – e apenas desse modo, será possível fortalecer agências como a AGERio (Agência Estadual de Fomento) e a FAPERJ (Fundação de Amparo à Pesquisa do ERJ) – neste último caso, em especial a área de tecnologia, reconhecidamente indispensável para o desenvolvimento fluminense.
III – Eixo dimensão territorial
Outra frente propositiva diz respeito à dimensão territorial na medida em que não pode haver desenvolvimento estadual sem que todas as suas regiões sejam devidamente valoradas/incorporadas. Nesses termos, a matriz industrial a ser seguida deve considerar com rigor a discussão das cadeias produtivas (setoriais e intersetoriais) a serem criadas ou fortalecidas em sua imbricação com o papel dos diversos espaços fluminenses – em especial, pelo adensamento populacional e elevada conurbação, destacamos o entorno metropolitano do município-sede sem, no entanto, perder de vista o necessário combate à megacefalia carioca e à estagnação ou mesmo regressividade em curso em dadas regiões do estado. Destaque-se, além disso, as aglomerações urbanas e os Arranjos Populacionais surgidos da expansão urbana, das conurbações, e dos deslocamentos pendulares provocados pela indústria do petróleo nas regiões Norte Fluminense e Baixadas litorâneas, produzindo uma reconfiguração regional do interior do estado. A dimensão da integração territorial tem que levar em conta os núcleos produtivos que já manifestam potencial dinâmico na agroindústria de novo perfil – cafés e bebidas certificadas, de elevado valor agregado e potencial exportador – além dos já mencionados núcleos produtivos no segmento metal-mecânico e metalúrgico. Deve-se pensar, ainda, em políticas de interações espaciais, socioeconômicas e produtivas entre os mais de uma dezena de portos e terminais portuários – verdadeiros enclaves, que vão de Sepetiba, ao sul, a S. Francisco do Itabapoana, no norte – operando, em construção e em projetos, e o território regional do entorno, dada a imensa mobilização financeira que detém, sem que haja interações produtivas com o território.
Vale lembrar que no período supramencionado da inflexão econômica positiva da segunda metade dos anos 1990 e do ‘milagrinho fluminense’ (2008-2013) que lhe sucedeu, e mesmo um pouco antes, particularmente no governo Antony Garotinho, em que pese os senões que poderiam ser aqui notados, houve no ERJ uma série de investimentos de mobilidade urbana na sua capital e de integração rodoviário-espacial entre regiões, tal como: a duplicação de pistas no trecho que liga Macaé e Campos, Niterói e Manilha, e Rio e Petrópolis; obras tornando mais adequadas a ligação entre Friburgo e Região dos Lagos; a construção ou a recuperação de algumas estradas vicinais; etc. Tudo isso, enfim, contribuiu com o rompimento do relativo isolamento do município-sede em relação ao restante do estado e mesmo entre as regiões interioranas (e vice-versa). Houve ainda, por conta dos PACs (Programas de Aceleração do Crescimento), a construção de uma das alças do Arco Rodoviário Metropolitano ligando a Rodovia Rio-Petrópolis e a Rodovia Rio-São Paulo. Logo, como já escrevemos em trabalhos anteriores, houve ali o ensaio de constituição de uma rede urbana ‘puxada’ pelos negócios da cadeia de petróleo e gás – como nos já mencionados casos das infraestruturas portuárias implantadas e em implantação – pela vontade política aliançada dos governantes de então e pelo aumento de receitas públicas (como já se indicou).
Ou seja: a retomada dos investimentos no estado, uma vez pensada em termos espaciais, contará com uma base nada desprezível…Não se estará, em resumo, partindo do zero!
IV – Eixo lutas federativas
Concordando com Sobral (2019), também defendemos neste artigo que ‘o Rio não é apenas um estudo de caso’ (como não o é a discussão sobre qualquer outro estado brasileiro) e que pensar o seu desenvolvimento exige pensar o do próprio país. Em suma: seguindo esse autor, entendemos que não há como pensar o desenvolvimento estadual fluminense sem colocar na arena do debate duas questões nevrálgicas e estreitamente associadas: a dos contenciosos federativos e a da independência nacional.
Afinal, enquanto esses últimos aspectos não forem enfrentados todas as unidades subnacionais continuarão submetidas pelo ente federal aos: ditames da banca financeira, que sacrifica as contas públicas em nome do atendimento ao rentismo/especulação financeira; aos ditames dos interesses dos muito ‘ricos’ (nacionais e estrangeiros), isentos dos pagamento dos devidos tributos, o que também sacrifica as contas públicas, posto reduzir a arrecadação e, consequentemente, a realização das adequadas e necessárias políticas públicas – sem esquecer das generosas anistias fiscais; aos ditames dos interesses antinacionais e antipopulares que insistem na privatização dos ativos públicos nacionais, impedindo que empresas como a Petrobras, por exemplo, possam ser elementos de dinamização da economia (e de seus diversos espaços) etc. Logo, enquadrados esses deletérios interesses, minoritários, os referidos contenciosos seriam melhor aclarados, legitimados e colocados em patamar positivo para a discussão sobre o desenvolvimento do país e das suas muitas ‘partes’.
Nesses termos, estaria fora de questão isolar o Rio e pensá-lo como estritamente tributário do ente federal. Ou seja, insistindo, as praxis partiriam necessariamente da unidade federativa em tela e situariam seus desafios em termos de políticas públicas, permitindo assim entender os desafios e as interações escalares a estabelecer, bem como o seu lugar dentro dessa nova conformação político-societária. Com esse procedimento, seriam identificados então e verdadeiramente os verdadeiros adversários do desenvolvimento brasileiro e, como anotado, das suas ‘partes’: os arautos da austeridade fiscal, os que criminalizam os gestores de políticas públicas inovativas que escapam do “mainstream” ortodoxo e os entreguistas que usam/defendem a narrativa neoliberal para fazer seus jogos privados patrimoniais.
V – Eixo produção reflexiva e gestão governamental
Este eixo analítico-propositivo constitui decorrência inevitável do que já se expôs no presente artigo, mas ao mesmo tempo ponto de partida para que as discussões sobre a economia e o desenvolvimento do Rio de Janeiro sejam permanentemente embasadas com dados e análises, assim como agentes essenciais para a criação de espaços verdadeiramente públicos para que as discussões possam ocorrer de maneira livre e profícua (um adendo: não se tem aqui a pretensão e nem caberia nos limites deste sucinto artigo propor qualquer modelo institucional para que esses desideratos sejam alcançados…).
Já no caso do aspecto gestão governamental defendemos que é imperioso tanto avançar na criação de mecanismos de controle e participação verdadeiramente públicos, bem como realizar esforços urgentes para qualificar ininterruptamente a máquina governamental e melhorar as formas de gestão de sorte a que bons diagnósticos e propostas não sejam esterilizados. Dado o ‘espírito’ desta reflexão-propositiva, ainda, seria de bom tom avançar no sentido da criação de instâncias e instrumentos de planejamento capilarizados, participativos e integrados pelos municípios e com o estabelecimento de acordos com unidades de ensino e pesquisa espalhados por todo o estado.
Considerações Finais
Esta reflexão tem como propósito defender que o ERJ não está condenado a nenhum atavismo de degradação permanente. Foi assim que mostramos que o que ocorreu aproximadamente de meados dos anos 1990 até 2013, em que pese as limitações existentes, representou um emblema das possibilidades existentes de crescimento econômico e dos constrangimentos a enfrentar de maneira a levar essa mesma economia, espaços e sociedade como um todo a dias melhores.
Para tal, em que pese algumas divergências quanto ao diagnóstico (examinado no artigo anterior) entre os especialistas da área, umas mais importantes e outras nem tanto, há grande convergência quanto às propostas alinhadas no debate contemporâneo acerca da economia, sociedade e território fluminenses. Em particular, sublinhamos o criativo aporte de Sobral, posto que ele situa questão metodológica de fundo sem escapismos, conciliações e concessões ao pensamento e às práticas/interesses conservadores. De outra forma: esse autor, além de propor uma praxis que parta do Rio, aporta à reflexão a necessidade da consideração da escala nacional, mas sem apelo ao Estado Federal Unitário, e sim a um Estado Nacional Federativo para o soerguimento mais coetâneo e conjunto do país (como se indicou ao final da última subseção).
Concluindo: cabe ampliar as vozes críticas do Rio e fazê-las reverberarem de modo a romper com o bloqueio ideológico existente – aliás, de longa data; cabe lançar luzes sobre os sujeitos sociais que querem o verdadeiro desenvolvimento econômico, social e civilizatório do Estado do Rio de Janeiro e os que querem apenas jogar jogos patrimonialistas; cabe avançar na pesquisa acerca da matriz industrial a perseguir e no enfrentamento heterodoxo da questão fiscal estadual; cabe superar o histórico hiato entre os debates e interações que ocorrem na metrópole e as já profícuas pesquisas, análises, debates e experiências que ocorrem no interior do estado, com o avanço das Unidades de Ensino Superior e dos IFs; etc. Afinal, assim entendemos, apenas desse modo será possível ampliar as perspectivas públicas a serem levadas adiante para o definitivo início sustentado (e sustentável) do desenvolvimento do Estado (economia, dentro).
Referência: SOBRAL, B. O Rio não é apenas um estudo de caso. Jornal dos Economistas, Número 354, Fev. 2019, págs. 8-9.
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Ilustração: Mihai Cauli
Fonte: site Terapia política