https://carlosaadesa.wordpress.com/2016/04/04/visita-ao-porto-do-acu/Carlos Augusto Sá, jornalista.
Desde 2000, quando Wagner Victer, então secretário estadual de Minas, Energia, Indústria Naval e Petróleo, apresentou o projeto de um porto na antiga fazenda de Poço D´Antas em palestra na Câmara Municipal, que eu tinha vontade de conhecer o empreendimento. Queria compará-lo com as notícias dos antigos jornais sobre o porto flúvio-marítimo instalado na margem direita do delta do rio Paraíba do Sul, mais precisamente em frente à nossa cidade e responsável pelo seu progresso. Quando, por diversas razões, incluindo-se a chegada da ferrovia, o porto naufragou, por pouco o município não naufragou junto. Pelo porto antigo, segundo o engenheiro e geólogo Alberto Lamego, eram exportados café, madeira, açúcar, farinha, carne salgada e toda a produção do norte-fluminense, e importados sal, máquinas, equipamentos, implementos, sementes, tecidos e pessoal para a região.
Na época, junto com amigos, fiz uma incursão à região das praias do Rancho e do Vega, próximas à lagoa de Iquipari, onde o porto poderia ser montado. Aproveitei a ideia de ver qual o estado da lagoa do Salgado, esse abandonado e depredado monumento geopaleontológico, conhecido internacionalmente, que o S. JOÃO DA BARRA, jornal que eu então editava e que trouxe a lagoa de volta ao noticiário sanjoanense, para observar o local. A primeira visita à lagoa tinha sido feita em companhia do amigo Célio Aquino, decano dos intelectuais do município, para conhecer a região proposta para o porto. Era uma vastidão de restinga desolada, como ainda é, exceto pelo local onde o porto foi instalado.
Por falar nisso, como está a lagoa do Salgado, descoberta e assim denominada pelos Sete Capitães? Os novos donos da região a adotaram e preservaram? Livraram seu entorno dos invasores e da coleta de estromatólitos para fazer cal e adubo? É preciso cuidar muito bem dessa lagoa, não se pode perder esse, como já disse, histórico monumento da natureza. A lagoa cuja área original era de 16 km, está reduzida a 4 km e não pode diminuir mais.
Voltando à recente visita, saímos em ônibus contratado pela Prumo, atual dona do complexo portuário, e fui, a cada quilômetro percorrido, revivendo imagens e emoções, principalmente a partir do momento em que o veículo entrou em Cajueiro, percorrendo parte do caminho para o sítio Quiriba, que pertenceu a meu pai, lugar onde minha família e eu passamos dias inesquecíveis, tanto que motivou as poesias “Poema do cajueiro”, publicado em meu livro “Anotações de viagem e outros poemas” e selecionado para participar de uma antologia poética no Rio de Janeiro, e “Amanhecer em Quiriba”, que faz parte do meu livro “Duas lendas sanjoanenses”.
Cajueiro mudou muito, em nada lembra o Cajueiro do meu tempo, com seus novos residenciais, belos sítios e casas. Quem passa pela BR-356 não imagina o progresso que se esconde em suas margens. Fiquei, porém, espantado com a quantidade de terras desapropriadas e reservadas para um futuro Distrito industrial. Muita gente teve de deixar suas terras, sua rede de apoio social e se mudar para a Vila da Terra. Alguns se deram bem. Esse enorme terreno reservado para o Distrito industrial é parte do sonho megalomaníaco do empresário Eike Batista, que chegou a ser uma das maiores fortunas do país e hoje precisou lançar ao mar, no ano novo, uma lancha carregada com moedas de ouro, perfumes e outros presentes para Iemanjá, por sugestão de uma mãe de santo, para voltar ao topo, como a imprensa carioca contou.
Do sonho de um ousado empresário fascinado pelo brilho do ouro, do minério de ferro e da bauxita e dos holofotes nasceu esse sofisticado empreendimento, de moderna tecnologia, que por algum tempo afetou a vida da cidade de São João da Barra, oferecendo empregos a quem não tinha qualificação, fazendo os preços dos imóveis subir a níveis inimagináveis para a região, seja para compra ou aluguel. Afetou ainda a vida da praia de Grussaí, cujas pousadas tinham um movimento que crescia com o incremento do turismo regional e que foram transformadas em alojamento de peões das empresas que se instalavam no porto. Também os casarões de praia dos veranistas foram transformados em repúblicas para peões. Os executivos das empresas preferiram morar na cidade de Campos, que oferecia melhor infraestrutura social, educação, saúde e lazer. São João da Barra correu atrás, mas chegou atrasada, antes oferecia apenas estradas precárias, atendimento médico insuficiente, nenhum bom hotel, poucos restaurantes e lojas criadas às pressas, que vivem vazias. Faltou gestão pública para que usufruíssemos mais do presente de Eike. A prefeitura deveria ter acompanhado de perto todos os passos para a implantação do porto e não só atendendo as ordens emanadas de seus criadores e interferindo sempre que necessário.
Terminado o trecho semiurbano do passeio surgiu a solidão de uma restinga desolada e devastada desde que os Sete capitães instalaram seu último curral para gado no Açu. É de 90 km² a área reservada para o porto, um espanto, pelo menos para mim que fiquei a imaginar quantos anos serão necessários para região ser ocupada por empresas. A área industrial de Macaé, preenchida por empresas que trabalham com e para a Petrobras, muito mais antiga que a do nosso porto, até hoje exibe grandes espaços vazios oferecidos para compra ou aluguel. A de Campos patina. Devo ter a mente muito tacanha para não perceber o alcance da ação do Codin.
Há uma esperança de reflorestamento da área, o que é louvável, e para isso montaram canteiros de mudas e estufas com sementes de árvores da região. Assim deverá ser recuperada a mata do Caroara, tão vandalizada em tempos não tão remotos, quando eram ali buscadas as famosas miniorquídeas. Alertávamos para isso no nosso jornal. Ah, segundo o Google, caroara (ou caruara) significa tremedeira por medo ou cansaço. Nossa restinga, agora transformada em RPPN – Reserva Particular do Patrimônio Cultural, com 3.845 hectares de vegetação nativa, mereceu um belo livro, que ainda não li, tendo como autor o engenheiro florestal Daniel Ferreira do Nascimento e ilustrado com fotos de Geisa Márcia B. de Siqueira.
E lá fomos nós, por entre cercas de arame farpado e placas mandando a gente se afastar, parece território sagrado, teme-se por certo que voltem a ocupar aquelas areias magras, de onde muitos pequenos produtores rurais foram arrancados com violência. Só faltam guaritas com guardas armados estendendo proteção à ameaçada fauna local (tamanduás-mirims, corujas buraqueiras, gaviões, quero-queros, piaçocas, também conhecidas como jaçanãs em outras regiões do país, lagarto do rabo verde e outros animais menos votados). Mas as caçadas já haviam diminuído há tempos graças à disseminação de geladeiras e televisões.
Saltamos no Centro de visitantes, um belo prédio valorizado com trabalho de paisagismo, onde ouvimos rápida palestra de um gerente, campista com pais sanjoanenses, como frisou, vimos uma maquete com os prédios e instalações construídos ou por construir, os canteiros de mudas nativas, saboreamos um coquetel bem feito, tiramos fotografias para eternizar o momento, para a seguir voltar ao ônibus e continuar o passeio. Seguimos pela ponte por quilômetros e nunca estive tão mar adentro como sobre aquela passarela de concreto. Vimos um navio aguardando carga, os tubos por onde são despejadas os minérios e muito pouco dos 6.000 empregados que disseram ali trabalhar. A acústica dentro do ônibus era péssima e apesar da cicerone falar ao microfone, pouco ouvíamos de suas explicações. Voltei quase tão leigo quanto fui em relação ao porto, não fosse a ajuda de Marcela Toledo, que em um banco logo antes do nosso dava algumas informações, inclusive a de que existe no complexo três restaurantes funcionando e que tem aumentado o número de conterrâneos ali trabalhando. Em panfletos distribuídos na ocasião, fui informado que a Prumo, em parceria com a prefeitura e com o Instituto de Capacitação Técnica Profissional, tem realizado cursos de qualificação para operadores portuários, excelente iniciativa e que parte dos alunos já formados foi contratada pela empresa.
Enfim uma tarde proveitosa em que matei minha vontade de conhecer visualmente o porto do Açu e revi locais com gostosa descarga de emoções. Mas não deu para comparar com o porto naufragado da nossa cidade, tão importante que mereceu a visita de um chefe de estado, o imperador Pedro II e permitiu a colonização do nortefluminense. ]
SJB, abril.16