Petróleo: de dádiva a problema
O preço do barril de petróleo do tipo Brent no mercado internacional despencou de cerca de US$ 110 no início de 2014 para aproximadamente US$ 35 nos últimos pregões, derrubando a receita de municípios petrorrentistas em todo o Brasil. As Prefeituras do Estado do Rio de Janeiro, que produz 75% do petróleo nacional, foram as principais afetadas e, embora tenham anunciado medidas como cortes em contratos, extinção de órgãos e secretarias, demissões de terceirizados e até redução de salários de prefeitos e secretários, elas não foram suficientes para equilibrar as contas, que dependem sobremaneira das verbas oriundas da commodity. Em alguns casos, como o de Campos, o comprometimento de recursos vindouros, na chamada Venda do Futuro, tornam ainda mais complexa a situação que será herdada por uma nova administração, visto que 2016 é ano de eleições municipais. O passado, o presente e o futuro da economia regional é objeto de debate nesta entrevista exclusiva com o economista Ranulfo Vidigal, que aponta o que deixou de ser feito e que atitudes ainda podem ser tomadas para lidar com essa nova realidade do mercado.
Folha da Manhã — A crise provocada pela queda do preço do barril de petróleo no mercado internacional acontece em um momento em que o Brasil sofre de uma recessão econômica generalizada. Essa dupla situação, de contextos regionais, nacionais e internacionais, transforma o cenário do Estado do Rio de Janeiro em um caso de tempestade perfeita?
Ranulfo Vidigal — A especialização da economia fluminense é fornecer bens intermediários. Me explicando melhor: Volta Redonda produz aços utilizados na fabricação de veículos e na construção civil (e vive uma aguda crise pela desaceleração da China). Outro exemplo é a crise da renda e da escassez do crédito que paralisam as montadoras de veículos gerando redução da produção em Resende e Porto Real. O ERJ detém 75% da produção de petróleo do país e aí a descapitalização da Petrobrás, a Lava Jato e a queda no preço do barril atingem de cheio Duque de Caxias, Itaboraí (umas das cinco cidades no Brasil que mais desempregaram) e Macaé. De rebarba temos a redução dos royalties do petróleo que mexeu com todos os municípios da faixa litorânea — que começa em Búzios e termina e São João da Barra (este último vivendo o reflexo da menor velocidade no ritmo de implantação do Porto do Açu). Em 2015 esse quadro no ERJ resultou em quase 100 mil demissões no mercado privado formal e um forte rebaixamento do nível médio do salário real dos trabalhadores ativos. Temos mais de 20% da juventude saindo da faculdade desempregada — estilo Espanha.
Folha — O preço do barril de petróleo do tipo Brent vem sofrendo apreciação nos últimos três dias, tendo fechado o pregão de quinta-feira a US$ 35,33. Porém, na terça-feira, o Banco Mundial reduziu suas previsões do preço médio do barril de petróleo de US$ 51 para US$ 37 neste ano. Como essa realidade afeta os municípios petrorrentistas?
Ranulfo — Retira de cara mais recursos. São dois movimentos contra e um apenas, aparentemente, a favor. Contra temos a rápida desaceleração da produção na camada pós-sal (girando entre 15 e 20% ao ano). De outro uma queda estimada em 30/40% na cotação média do óleo. A favor só a desvalorização do real frente ao dólar, mas que não repetirá 2015, quando foi de 50%. Estimo uma perda global para o norte na faixa dos 500 milhões, só em 2016 exigindo reestruturação dos gastos das Prefeituras em pleno ano eleitoral. É como trocar o combustível do jato em pleno céu. Um desafio que não se esgota em 2016, mas ao contrário, fica como dever de casa para a nova elite dirigente que chegar em 2017.
Folha — O depósito de royalties de janeiro, feito ontem, foram os menores dos últimos 10 meses. As perdas chegam a 22% na região e começam a comprometer programas sociais em municípios como Quissamã. Essa situação é sustentável a médio e longo prazos?
Ranulfo — Ela exige uma mudança de mentalidade. O poder público não pode tudo. Nesse contexto, é preciso propor algo novo, que proporcione uma perspectiva de mudança real ao povão, classe média, empreendedores e demais pagadores de impostos, ou seja, inventar uma nova subjetividade política. Entender que governar não é dirigir. Governar é garantir as condições para que o cidadão dirija a si mesmo. E não esperar que um “salvador da pátria” venha nos tirar do buraco.
Folha — O agravamento da situação dos municípios petrorrentistas tem sido progressivo nos últimos meses. As cidades da região estão preparadas para lidar com a queda na arrecadação? Algo foi feito no momento de recursos fartos para lidar com períodos de escassez?
Ranulfo — Não, na verdade nos comportamos como cigarras e optamos por festas, benefícios e transferências sociais (algumas importantes, pois reduzem a indigência e miséria de uma sociedade muito desigual), transformando o petróleo de uma dádiva, num problema pela acomodação que o conforto das verbas indenizatórias da produção petrolífera proporcionava. Gastar mais em comunicação e festas, do que em agricultura é uma marca dos tempos que estão indo embora. Promover obras faraônicas e deixar as cidades com apena 50% de saneamento básico é outro exemplo. Contudo, o grau de escolarização subiu e as redes sociais informam cada vez mais. Assim, a cobrança chega em tempo real.
Folha — Ainda é possível fazer algo para que a região passe pelo momento de crise de maneira menos turbulenta?
Ranulfo — A crise é cíclica e vai passar e os ensinamentos podem servir de base para uma nova correlação de forças que traga uma maior integração sociedade/poder público. Até porque, quem paga a conta é o contribuinte. Para Campos, especificamente, a cidade vai exigir alguém que dialogue com a sociedade, seja um grande síndico e não tente transformar a cidade em trampolim para futuras conquistas políticas. Isso desvia o foco do dirigente e deixa a cidade atônita, como ocorre nos dias atuais.
Folha — Quanto tempo o Estado do Rio de Janeiro deverá levar para reabsorver a mão de obra dispensada devido à crise do petróleo e da economia?
Ranulfo — Um bom tempo. O mundo está promovendo uma nova divisão internacional do trabalho e os BRICS perderam espaço. Dilma mudou abruptamente em 2015, os preços relativos da economia. Desvalorizou o real frente ao dólar, reduziu o poder de compra dos assalariados, subiu os juros e os impostos, empobreceu a classe média e desestimulou a classe empreendedora. No meio de tudo isso, ainda temos uma grave crise política no Congresso. É muito desafio junto.
Folha — Com a troca de comando das Prefeituras próximas, que desafio os novos líderes dos executivos municipais do Estado enfrentarão diante das contas deixadas por aquelas administrações, como a de Campos, que optaram por antecipar verbas futuras dos royalties, na apelidada Venda do Futuro?
Ranulfo — As obrigações relativas aos empréstimos (que ironicamente não resolveram o problema fiscal da PMCG) vão reduzir a capacidade de investimento do próximo dirigente que assumir em janeiro próximo. Por isso terá que ser um grande síndico — confiável para montar um pacto com a sociedade no sentido de dividir tarefas, fazer parcerias e aplicar com rigor e austeridade os recursos do orçamento menor, mas ainda muito expressivo na comparação com outros municípios de porte médio. Como o petróleo tão cedo deve voltar para 100 dólares e a produção tende a cair, a saída é contar com a paulatina reativação da atividade econômica local e regional (Açu) para obter mais renda e impostos.
Folha — O governador Pezão se encontrou, recentemente, com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, para pedir o julgamento, ainda neste ano, de uma ação sobre a divisão dos royalties do petróleo. Caso a lei que autoriza a redistribuição dos royalties do petróleo seja julgada constitucional, qual será o impacto sobre a região?
Ranulfo — Fortíssimo, pois tirar mais de 60% do montante atual (já em baixa). Para o governo estadual o drama é menor pela possibilidade de troca no ICMS e taxas sobre a exploração de petróleo.
Folha — Quais lições a instabilidade do petróleo deixa para municípios que têm sua renda composta basicamente por royalties de um recurso finito?
Ranulfo — Um recurso, cujo preço se define na geopolítica internacional (instável) não pode representar 50/60% de um orçamento municipal. Agora temos que recompor a base produtiva da cidade acreditando na capacidade empreendedora do empresariado e na capacidade laboral da classe trabalhadora. Campos possui 130 mil trabalhadores formais, um Valor Adicionado Fiscal (PIB real) de R$ 15 bilhões anuais e um centro educacional com universidades públicas e privadas de qualidade, além de 25 mil estudantes universitários. Tem tudo para dar a volta por cima e superar este momento crítico.
Folha — É possível que os municípios da região se tornem independentes destes recursos ou, pelo menos, minimizem sua dependência deles?
Ranulfo — Esse é um dever de casa que precisa ser feito desde já. O petróleo não vai desaparecer, mas apenas ficar menos importante temporariamente. A vantagem relativa da região advém da sua logística rodoviária e portuária, bem como na energia renovável do bagaço de cana, na energia eólica da região costeira, na consolidação do Porto do Açu e na crescente qualidade e produtividade de sua força de trabalho — mais escolarizada e mais esclarecida. Mas se dermos a virada vamos exportar para os grandes centros essa vantagem relativa.
Marcos Curvello (Folha da Manhã)
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