CAMPOS DOS GOYTACAZES, MACAÉ, QUISSAMÃ e RIO DAS OSTRAS – A exemplo do Estado do Rio de Janeiro — que não soube aproveitar a herança gerada pelos recursos oriundos do petróleo —, as cidades do Norte Fluminense vêm sofrendo com a pouca diversificação de suas economias e, hoje, têm de lidar com pesados cortes no orçamento. Dilemas realçados pelo legado de maus investimentos feitos nos últimos quinze anos, definidos por um prefeito da região como “ufanistas”. Em 1999, logo após a abertura do setor de petróleo, os municípios do Estado do Rio receberam R$ 222,7 milhões em royalties e participações especiais. O número saltou quase 2.000% e, em 2014, chegou a R$ 4,654 bilhões, em valores correntes. Com a queda do preço do petróleo no mercado internacional e a crise da Petrobras, a farra dos royalties perde fôlego. No ano passado, a arrecadação caiu 35% para R$ 3,022 bilhões, segundo dados da InfoRoayalties, com base na Agência Nacional do Petróleo (ANP).
Campos. Estátua de elefante da Cidade da Criança: obra que consumiu R$ 17 milhões divide moradores. Para presidente da Companhia de Desenvolvimento de Campos (Codemca), Wainer Teixeira de Castro, parque tem “caráter pedagógico” – Antonio Scorza / Agência O Globo
Com menos recursos em caixa, ainda prevalecem sinais dos tempos de gastança, como a recém-inaugurada Cidade da Criança em Campos dos Goytacazes, chamada na região de “a Disney de Campos”. O empreendimento poderá um dia se juntar à famosa e polêmica calçada de porcelanato em Rio das Ostras e ao parque recreativo de Macaé. Hoje, o retrato da crise se faz presente nos dois projetos, inaugurados há mais de dez anos: o abandono.
Só quem chega na Praça Alzira Vargas, no centro de Campos, entende a dimensão do novo parque, que consumiu investimentos de cerca de R$ 17 milhões da prefeitura e começou a ser desenvolvido há cinco anos. O parque ocupa um quarteirão inteiro. São prédios coloridos, com muitos animais na decoração — como estátuas de elefante e urso panda —, assentos no formato de cachorro-quente e maçã, cascata de água e piso que absorve o impacto para as crianças não se machucarem. Desde que foi inaugurado, o horário de funcionamento está em ritmo de soft opening: das 18h às 22h. Em operação desde dezembro, o empreendimento divide a opinião de moradores. “Dá uma dinâmica para a região”, afirma a estudante Thais Ferreira, de 26 anos. — Mas a educação básica aqui é precária. O transporte também é ruim para as áreas mais afastadas — pondera.
José Novaes Alvez, de 72 anos, mora próximo do parque e diz não entender o projeto: “O dinheiro dos royalties não está sendo bem aplicado. O Sambódromo é outro exemplo. A gente nem carnaval tem mais. O saneamento básico, por exemplo, é nota zero”.
Com 76 funcionários, o parque não é gratuito para maiores de 13 anos. O preço do bilhete vai de R$ 2,50 a R$ 5. A “taxa simbólica”, segundo Wainer Teixeira de Castro, presidente da Companhia de Desenvolvimento de Campos(Codemca), tem o objetivo de tornar o parque um empreendimento sustentável financeiramente até o fim do ano. Castro afirma que reage às críticas com naturalidade. Segundo ele, o parque tem “missão pedagógica”, pois terá dois salões que serão usados por alunos da rede pública. “Isso vai trazer um enriquecimento curricular. Mas as críticas fazem parte da cidadania. O projeto nasceu em 2011, quando não tinha crise de royalties. Talvez, se fosse hoje, a decisão seria outra. Quem vem aqui fica apaixonado”, diz ele, lembrando que em média o parque recebe mil pessoas por dia, sendo que a capacidade do empreendimento é para dois mil visitantes.
Para especialistas, a cidade poderia ter destinado os R$ 17 milhões a investimentos em setores prioritários, como saúde e saneamento. Para Renato Cesar Siqueira, da ONG Observatório de Controle do Setor Público, o espaço é um mau exemplo de uso do dinheiro público. Ele cita outros empreendimentos, como o Sambódromo e o Palácio da Cultura, em reforma há anos: “Foi um gasto desnecessário. A cidade tem necessidades fundamentais, como melhorar a infraestrutura, o transporte público. Os municípios foram irresponsáveis com o uso dos recursos. Ficaram escravizadas pelos royalties”.
Em Campos, os reflexos da crise se estendem por toda cidade. No Centro, a Rua João Pessoa coleciona uma série de lojas fechadas. Entre os diversos bairros da cidade, como na região da Pelinca, que concentra cerca de 100 edifícios, há construções imobiliárias canceladas e obras inacabadas. E o resultado disso se faz perceber entre os moradores: das 5.027 vagas formais extintas no ano passado, a construção civil somou 28% (1.440) do total, mais que a indústria de transformação, com 27,8% (1.399). Como reflexo, a arrecadação de tributos municipais como ITBI e ISS caiu 20% no ano passado.
Na área industrial, também foram registrados grandes cortes. A Schulz, fabricante de tubos e conexões de aço para empresas que prestam serviço para a Petrobras, que estava localizada no distrito industrial de Campos, encerrou suas atividades no fim do ano passado, demitindo 300 pessoas. Procurada, a companhia não quis falar. João Paulo da Costa Cunha, presidente do Sindicato de Metalúrgicos de Campos, Quissamã e São João da Barra, lembra que de março do ano passado a fevereiro deste ano já foram 1.800 homologações: “Perdemos 40% de nossa base. Muitas empresas estão envolvidas na Operação Lava-Jato”.
Barra do Furado, complexo milionário parado
As obras do complexo de Barra do Furado estão paralisadas desde meados de 2014 – Antonio Scorza / Agência O Globo
Luiz Claudio Soares e Eliseu Monteiro foram apenas dois das centenas de trabalhadores que perderam o emprego na Schulz. Eles lembram que os cortes começaram no início de 2015 até o fechamento total da unidade em outubro. E ambos colecionam histórias tristes. Soares tentou ser sócio de uma empresa de venda de galão de água, mas levou o cano do parceiro. Monteiro virou vendedor de cosméticos, mas não tem tido sucesso. “Está tudo parado. Não tem emprego em lugar nenhum. A gente procura se reinventar, mas está difícil”, queixa-se Soares.