Por Jorge Natal e José L. Vianna da Cruz|24/11/21|Acadêmico, Artigo, Economia, Primeira Página
Estado das artes da reflexão: um antigo problema
Entre os estudiosos da temática economia fluminense, do passado e do presente, há pelo menos um consenso: nunca se conseguiu estabelecer uma massa crítica com ela mais longevamente envolvida. Sem negar o que veio de ser assinalado, observe-se que essa assertiva não implica negar que pesquisadores isolados (ou mesmo dadas instituições) não tenham se dedicado a essa temática; porém, quando isso ocorreu, eles o fizeram ‘apenas’ em tempos relativamente curtos. Logo, pode-se dizer que uma das principais marcas da reflexão sobre a economia fluminense é a descontinuidade.
Para melhor esclarecimento dessa démarche desde logo dois fatos mais aparentemente devem ser considerados:
- O desmonte ou a irregularidade temporal das fontes públicas de mapeamento e estatísticas que, quando existiram, não estiveram disponibilizados de forma fácil e ampla aos usuários;
- As iniciativas empresariais, notadamente as sediadas na FIRJAN, posto elas terem se voltados basicamente para as suas demandas conjunturais (privadas), bem como sido orientadas estritamente para a criação de ambientes expectacionais favoráveis aos seus negócios. Não fora bastante, regra geral, vale aduzir que essas iniciativas alhearam tanto a problemática realidade do país e da sociedade fluminense quanto os devidos suportes técnicos para efeito da elaboração das suas análises e propostas.
Para efeito do esclarecimento acima referido ainda merece registro um terceiro fato: em alguns estados brasileiros se consolidaram ao longo do tempo instituições ‘tipo IBGEs’ regionais, como são os casos da FEE (RS), IPARDES (PR), Fundação João Pinheiro (MG) etc., o que infelizmente não aconteceu, em termos de constância institucional, no ERJ – em que pese os esforços envidados, como ilustração, no âmbito da Fundação CIDE e, depois, no CEPERJ. Por conseguinte, trivial afirmar que essa limitação igualmente problematizou os estudos sobre a economia (e sociedade) fluminense.
Isto posto, cumpre assinalar que três razões mais de fundo explicam esse comportamento/problema:
- a) O fato de o Rio de Janeiro ter sido capital por 197 anos (de 1763 até o início de 1960 – isto é, desde o Brasil Colônia, passando pelo período Imperial, até o Republicano) plasmou na ‘região’, em especial na então capital do país, um olhar, e não apenas na academia, mais atento sobre as questões nacionais, inclusive as econômicas, do que (sobre) as locais; e isso,
- b) De par com uma visão idealizada, superficial e equivocada sobre a natureza da expansão econômica da renda e do emprego verificada a traços largos desde o último quartel do século XIX até os anos 1970 – notadamente no domínio político-administrativo hoje definido como município Rio de Janeiro na medida em que o antigo estado do Rio jamais apresentou performance a destacar na cena nacional (com as exceções que confirmam a regra, a saber: a da produção de café entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX, a da cana no Norte Fluminense também desde o final do século retrasado até meados do século XX, e a de algumas indústrias de base e de bens de consumo final, como a CSN, a FNM, a REDUC, em especial na segunda metade do século XX – sublinhe-se, no entorno da própria antiga capital federal); e,
- c) Seja por razões econômicas seja pela dificuldade mesmo em formar a tal massa crítica no interior do estado, no limite, ela não existiu nesse domínio territorial ou, em existindo, acabou atendo-se de maneira precípua ao seu espaço propriamente dito ou ao seu entorno mais imediato – no mais das vezes sem ter em conta a necessária transescalaridade. Do ponto de vista político importante salientar que as demandas por recursos fiscais sempre se mostraram envoltas em arcabouço patrimonial e de cooptação política junto ao governo estadual e federal, o que mais uma vez reforçou o problema em tela (o do reconhecimento da necessidade de uma produção intelectual condizente com o tamanho e a gravidade dos problemas econômicos existentes).
Por conseguinte, inevitável dizer que esse conjunto de fatos históricos, dos mais aparentes aos mais amplos, e seus respectivos olhares, obscureceram o entendimento dos problemas estruturais, tanto da economia carioca quanto da fluminense como um todo.
Se é possível fazer uma síntese, por fim, diríamos que quatro aspectos negativos devem ser sublinhados (e.g., contributivos para a negação da ‘região’ como um todo enquanto objeto de estudo nesse longo intervalo histórico-estrutural):
- a) a crença de que ao sediar o Estado ele ‘era (até 1960) do Rio’;
- b) a crença correlata de que bastava considerar o crescimento da renda e do emprego para analisar/entender a economia (no caso, a carioca, para dizê-la simplista e erroneamente com bom desempenho);
- c) o alheamento do ‘atraso’ da (economia) situada do ‘outro lado da baía’ (olhando-se esse fenômeno a partir da Cidade do Rio de Janeiro), graças pelo menos aos fatores já apontados – ou seja, sua pouca importância econômica, institucional e reflexiva vis a vis à ex-capital nacional;
- d) o descaso com a divisão territorial do trabalho estabelecida a partir do último quartel do século XIX, polarizada em São Paulo, e que atingiu profundamente todas as economias regionais do país, incluindo a antiga capital federal (ao longo do tempo) e o também antigo estado do Rio de Janeiro (desde a sua emergência).
Um grave e derivado problema: o eterno adiamento de uma efetiva fusão
Tudo isso jogou água no moinho histórico do abismo econômico existente entre a capital (que polariza os municípios satélites da antiga Baixada Fluminense, hoje ampliada para Região Metropolitana do Rio de Janeiro) e a economia estadual como um todo.
No caso da Cidade do Rio de Janeiro, assine-se que as suas históricas fragilidades estruturais foram reiteradamente ignoradas. Uma das expressões mais marcantes desse processo diz respeito ao que podemos denominar de práxis escalar isolacionista. Explicando: o Rio se voltou principalmente para a escala nacional ao tempo que deixava de lado o seu entorno mais imediato, bem como, em adição, a divisão territorial do trabalho estabelecida – como apontado um pouco antes – desde o último quartel do século XIX definido pela emergência da moderna e pujante economia paulista. Por conseguinte, numa espécie de corolário, não surpreende que com a crise econômica nacional dos anos 1960, e mais marcadamente com a dos anos 1980, que as análises tenham sido caracterizadas por um traço distintivo: o da sua vitimização diante do governo federal por causa da transferência da capital para Brasília e, adiante, pela fusão do antigo estado da Guanabara com o igualmente antigo estado do Rio.
No caso do interior fluminense, três ilustrações podem ser aqui mencionadas (dentre tantas outras):
- A indústria extrativa do petróleo da Bacia de Campos mostrou-se ao longo do tempo, no Norte do estado, onde se instalou, uma espécie de enclave, posto que limitada a poucos municípios petrorentistas e dada a ausência de uma política abrangente de âmbito estadual que viabilizasse a captura das rendas petrolíferas em benefício da sustentabilidade de médio e longo prazos, como o fez, por exemplo, o estado do Espírito Santo, assim como os municípios da chamada Bacia de Santos/SP;
- A perpetuação da política do ‘interior-cliente’ de corte assistencial-eleitoral dos grupos de interesse e de poder ancorados na capital e, até mesmo, fora do estado e do país, aboletados na FIRJAN; e,
- O fato de existirem novos municípios petrorrentistas, como Niterói e Maricá, contemplados com as rendas do campo de Lula, dado o Pré-Sal da Bacia de Santos, não tem significado internalização da cadeia produtiva do petróleo – o desmonte da política nacional de conteúdo local sepultou de vez tal perspectiva –, o mesmo ocorrendo com a proposta da ALERJ de criação do Fundo Soberano do estado do Rio de Janeiro, que vem sendo discutido sob formato que (infelizmente) reforça a condição de interior-cliente.
Uma das consequências do que está ora em análise, aqui registrada apenas à guisa de aproximação analítica, é a permanência do passivo histórico da integração econômica do estado na medida em que se firma com certa hegemonia – ao nível das narrativas – uma combinação perversa, a saber: a do Rio Vítima (diante do poder central), a do Rio que deveria cuidar de si mesmo (localismo ingênuo e equivocado) e a do isolacionismo de iniciativas (de todos os entes federativos estaduais, no limite), uma vez que o enfrentamento desse desafio exigiria a articulação das diversas escalas englobadas pelas políticas e projetos de desenvolvimento. Ou seja: como ele não é efetivado a fusão continua sendo fundamentalmente apenas legal.
Por uma nova práxis e pelo fortalecimento institucional da pesquisa sobre a economia (e a sociedade) fluminense
Apesar do que foi analisado nos dois movimentos analíticos anteriores observamos com positividade os esforços atuais dos pesquisadores que buscam explicar e propor soluções para a crise econômica fluminense, em especial daqueles que se movem orientados pela busca de uma angulagem histórico-estrutural e com apelos para a necessidade da adoção de uma mirada transescalar e transdisciplinar – crise essa, aliás, manifesta gravosamente nos últimos anos, em particular a partir de meados dos anos 2010, de maneira extensa e dramática, dando seguimento assim aos seus muitos problemas de natureza histórico-estruturais.
À luz do que veio de ser alinhado, visando contribuir com o debate sobre a elaboração de diagnóstico e agenda consequente para o enfrentamento dos seus graves problemas, urge considerar articuladamente os sujeitos/interesses envolvidos, o que significa não perder de vista os papéis: da academia e da mídia dita especializada (produção reflexiva); dos governos, municipal, estadual e federal (questão federativa); e das frações do capital atuantes em seu espaço (dimensão estrutura econômica). Afinal, não há processo social sem sujeitos sociais.
Em especial, no que trata do papel da academia entendemos premente a ampliação expressiva do apoio institucional aos núcleos e pesquisadores ocupados com a temática em exame, bem como aos órgãos de fomento à pesquisa existente no estado, notadamente a antiga, tradicional e crucial FAPERJ para que a anotada massa crítica seja estimulada a ganhar mais ‘musculatura’ e possa ter uma vida definitivamente duradoura.
Por último, anotamos que para além do direcionamento que domina os atuais editais desta agência de apoio à pesquisa, cujas prioridades são pré-estabelecidas – ainda que pertinentes e sintonizadas com as grandes questões estaduais e nacionais – defendemos o fortalecimento dos editais abertos às mais diversas temáticas e propostas econômicas (e mesmo societárias) pelos grupos de pesquisa não restritos às prioridades pré-definidas a partir do olhar apenas carioca face à pujante vida acadêmica que atualmente vigora em alguns municípios interioranos do estado/fora da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, em especial quando a referida mirada transescalar e transdisciplinar se fizer presente…
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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.
Ilustração: Mihai Cauli
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