CRÔNICA
Por C. Alfredo Soares
Minha
faculdade ficava no Rio comprido. Fui estudar lá em 83. Resolvi fazer o
vestibular por querer ser jornalista. Tinha adoração pelo rádio e, já antes da
faculdade, havia começado a trabalhar no meio na pequena rádio da minha cidade
– A rádio Teresópolis 1510 AM, nos idos dos anos 70/80, pertencia ao Sistema
Globo de Rádio e, trabalhar nela, significava meio pé dentro da rádio Globo do
Rio, uma gigante da radiodifusão fluminense que já não existe mais. Por lá
passaram grandes nomes do rádio carioca – meu desafio começava ainda em na
cidade serrana, de onde partia no ônibus das 05 da manhã rumo ao Rio de
Janeiro. Saíamos correndo de casa, a princípio eu sozinho, logo depois eu e
minha irmã caçula.
Marcia
fazia Psicologia na extinta Gama Filho, eu Comunicação Social na Estácio de Sá.
Valéria estudava a noite, também na Gama Filho, que ficava lá em Piedade. O
trio de sonhadores destemidos, como deveríamos ser. Até hoje eu não acredito em
nossa ousadia juvenil.
O ônibus
chegava na Novo Rio por volta das 6:40, uma hora e quarenta minutos depois de
ter saído de Teresópolis, minha aula começava às 7:15. Descíamos correndo e com
cara de sono. Me despedia da Márcia, que pegava o 277, e corria para o terminal
urbano, no outro lado da plataforma de desembarque da rodoviária. Ali de manhã
era um verdadeiro caos. Todos corriam para chegarem nos seus destinos a tempo.
Muitos chegavam, outros partiam. Não dava para dar bom dia a ninguém, mesmo as
caras sendo repetidas ao longo dos quatro anos que transitei afoito naquela estação.
O ônibus
era o azulão da CTC. A linha era a 133, Rodoviária/Largo do Machado/via Rio
Comprido. Pra garantir um lugar sentado na lotação era preciso enfrentar a fila
no terminal, mesmo assim era difícil ir sentado. O ônibus saia lotado. Ao
volante um motorista baixinho e metido a piloto de corrida. Bigode era o nome
dele. Quando ele arrancava com o ônibus sabíamos que iríamos viver uma pequena
aventura nas suas mãos. Bigode se sentia um Deus ao volante. Conduzia a gente
como se fôssemos gado indo para o matadouro. Sempre com a picardia do carioca,
dirigia e contava vantagens para aqueles passageiros que ficavam mais próximo
da frente da condução.
O ônibus
saia de Santo Cristo rumo a Leopoldina, passando por cima do viaduto da
Francisco Bicalho. Com o motor na traseira e soltando mais fumaça que um trem
movido a carvão, Bigode fazia o troço andar.
A galera
se empolgava e incentivava a cada curva.
Ele subia
o viaduto embalado e descia numa velocidade que dava a impressão que a morte
estava bem próxima pra todos nós, pobres passageiros.
Bigode
passava em frente ao Batalhão de São Cristóvão sem reduzir a velocidade, sem se
importar com uma curva de 90 graus que teria que fazer para alcançar a gare da
Leopoldina. Sorte nossa se o sinal, após o batalhão, estivesse vermelho, pois
ele seria obrigado a parar, mas ele cronometrava o tempo e, quase sempre,
conseguia pegar o semáforo verde. Do jeito que ele vinha entrava na curva com
aquele ônibus largo fazendo roçar a lateral da sua carroceria no asfalto.
Aquilo levava a turma ao delírio. Varias foram as vezes que fui parar em cima
de quem estava sentado por não aguentar segurar as barras de segurança do salão
da condução, que todos ali chamavam de “putaquepariu”.
A viagem
seguia e Bigode parava no ponto em frente a estação. Suas freadas pra frear
faziam tanto barulho que parecia que o motor ia se soltar e nos atingir. Ali na
estação, o que já estava lotado, entornava. Era um em cima do outro. Eu já
pensava em como iria descer quando chegasse a minha vez.
Bigode
partia em direção a estação do metrô do Estácio. Lá pelo menos desciam muitos e
subiam outros tantos. Bigode não parava de tagarelar com os passageiros e a
gritar com o trocador. Contava vantagens sobre outras linhas que havia atuado.
Suado, levava uma toalha no pescoço e parecia dirigir em pé nas pontas dos
dedos. Quando estávamos na Paulo de Frontin, debaixo do famoso viaduto, eu já
estava próximo do meu destino.
A minha
viagem era curta. Com o tempo já conhecia vários passageiros. Sempre tinha
alguém pra segurar minha mochila ou sacola com meus livros. Quando descia em
frente a Faculdade me despedia de Bigode, ele abria a porta e não parava o
ônibus no ponto, eu pulava e ele acelerava de novo. Só me restava pensar como
se daria a viagem dali pra frente, subindo em direção ao Cosme Velho e descendo
em Laranjeiras com aquele louco de camisa azul, aberta no peito e, com calça
preta de tergal, domando um ônibus velho, quadrado e barulhento por ruas
apertadas.
O Largo
do Machado ficava do outro lado do morro. De um lado era subida e do outro só
descida. Confesso que nunca completei o percurso, mas bem gostaria. Viajei
nessa linha por quase todo meu período da faculdade.
Com o fim
da encampação houve a saída da CTC e entrou outra empresa. Bigode ainda
resistiu um pouco na linha, mas depois sumiu. Dizem que, por ironia do destino,
foi dirigir a lotação de Paciência, como se isso fosse possível ele.
Foi
durante aqueles anos, que na pratica, aprendi um pouco do verdadeiro espirito
do carioca.
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