Assimetrias e desigualdades nos impactos do Complexo
Petrolífero do Norte Fluminense: os casos de Campos dos Goytacazes e Macaé.
José Luis Vianna da Cruz
José Alves de Azevedo Neto
Resumo: O presente
artigo compara os impactos economia regional do petróleo do Norte Fluminense-NF,
em termos do PIB, do emprego formal, e da qualidade desses empregos, medida pelo
salário médio mensal, em salários mínimos, nos municípios de Campos dos
Goytacazes e Macaé. Ambos pertencem à Bacia Petrolífera de Campos, e estão
entre os municípios privilegiados com a maior parte das rendas da exploração e
produção. Campos foi o polo tradicional da região e é o município que recebe o
maior volume das rendas petrolíferas. Macaé sedia a base operacional do
Complexo Exploração e Produção de petróleo e gás-E&P, da Bacia. Em virtude
disso, Macaé recebeu a quase totalidade das empresas envolvidas nessa atividade,
constituindo uma estrutura empresarial moderna, e concentra o emprego nesse
segmento, enquanto Campos participa com um percentual importante do contingente
dos trabalhadores do Complexo e com um importante aparato de educação, com
destaque para o ensino técnico-profissional e superior, permanecendo como o
centro regional de comércio e serviços, embora em bases predominantemente
tradicionais. Dessa forma os impactos da economia regional do petróleo são
diferenciados nos dois municípios. Devido à sua importância na Bacia, este
artigo compara alguns indicadores dessas assimetrias.
Palavras-chaves: Impactos
daeconomia do petróleo; Norte Fluminense; Campos dos Goytacazes; Macaé
Abstract: This Article compares impacts promoted by
Rio de Janeiro Northern Region oil economy, regarding GIP, formal employment
and its quality in the basis of average monthly income, measured in quantity of
minimum salary, in Campos dos Goytacazes e Macaé. Both belong to Campos Oil Basin,
and figure amongst the most privileged counties benefited with oil rents from
exploitation and production E&P. Campos had always been the NF regional
pole and is the one who receives the highest amount of rent. Macaé embeds the
operational basis of the Oil E&P Complex. Therefore, Macaé hosts most of the
firms involved in such activity, embodying a modern entrepreneurial structure,
and concentrates employment in the segment, while Campos participates with a
high percentage of such workers and holds a big an rich educational apparatus,
whose highlights are its unities of technical-professional and college
education, sustaining its outstanding position as a commercial and service
center, even though on traditional standards. In this way, regional oil economy
impacts are different in each of these two counties. Due to their outstanding
position in the oil basin, this article compares some signs of such
asymmetries.
Keywords: Oil economy
impacts; Rio de Janeiro’s Northern Region-NF; Campos dos Goytacaes; Macaé.
I
– Introdução
Campos dos Goytacazes e
Macaé, seu vizinho ao sul, são os dois municípios mais importantes do Complexo
Regional de E&P-Exploração e Produção de petróleo e gás da Bacia de Campos,
no norte do Estado do Rio de Janeiro-ERJ. Campos foi, durante quase trezentos
anos, o polo econômico da região Norte Fluminense-NF, pela concentração da
agroindústria de produção de cana, açúcar e álcool, até o seu declínio, a
partir da década de 1970, e quase desaparecimento, na década de 1990. O
município monopolizou, no período, os recursos territoriais, financeiros,
econômicos e institucionais regionais (Cruz, 2003). A partir da segunda metade
da década de 1970, com o início da exploração e produção de Petróleo na Bacia
de Campos, o município de Macaé, limítrofe a Campos, passa a concentrar as
instalações físicas do Complexo.
A partir de então ocorrem
profundas mudanças na configuração do território regional, com a crescente
centralidade de Macaé, polarizando o mercado de trabalho e as instalações dos
equipamentos e empresas vinculadas às atividades de exploração e produção da
Bacia de Campos.
O que se observa é que
as formas distintas de integração no Complexo regional de E&P impõem ritmos
e dimensões bastante diferenciados no crescimento do PIB e no volume e
qualidade do emprego nos dois municípios, o que reforça a constatação de que os
impactos do Complexo ocorrem de forma desigual, reproduzindo um padrão
concentrado e excludente do desenvolvimento territorial regional.
As dimensões
populacionais e territoriais dos dois municípios são bastante díspares,
desaconselhando, num primeiro momento, análises comparativas. No entanto, o que
se quer apresentar, neste trabalho, através de um conjunto de dados, são
indicações da grande assimetria entre os impactos das atividades de E&P de
petróleo sobre os dois municípios, com a consequente diferenciação produzida nos
impactos socioeconômicos. A análise dos dados leva em conta as suas
especificidades, quais sejam, a condição de sede das atividades produtivas e
beneficiário de elevadas rendas, caso de Macaé; e de receptor de elevadas
rendas, sem significativos investimentos produtivos, como é o caso de Campos,
apesar deste sediar poucas empresas prestadoras de serviços ao Complexo.
Em 1970 a população de
Macaé correspondia a pouco mais de 1/5 da de Campos, com 76 mil habitantes,
enquanto a de Campos era de 348 mil habitantes, aproximadamente (IBGE). Hoje,
mesmo após ter perdido cerca de 20 mil habitantes, com a emancipação de dois
distritos, na década de 1990, sua população, de aproximadamente 206 mil
habitantes, corresponde a quase metade da de Campos, que conta com 406 mil
habitantes, aproximadamente (IBGE, Censo 2010). Seu território totaliza 1 mil e
200 km², hoje, ou seja, menos de 1/3 do de Campos, com 4 mil km². O orçamento
de Campos é aproximadamente o triplo do de Macaé, assim como o volume das
rendas petrolíferas repassados mensalmente, após a Lei do Petróleo, de 1997.
II. Crescimento econômico em Campos e
Macaé
O
fim do monopólio estatal na exploração e produção do petróleo e gás, a partir
de 1998, trouxe também uma elevação substancial das rendas petrolíferas
repassadas aos cofres dos municípios contemplados, assim como uma excessiva
concentração em um número reduzido deles. No Norte Fluminense esses
privilegiados são cinco: Campos, Macaé, São João da Barra, Quissamã e
Carapebus, esses últimos emancipados de distritos de Macaé, na década de 1990.
Tabela 1. Royalties + Participações
Especiais
Município
|
2011
|
2012
|
2013
|
Total
|
Campos
|
1.188.468.541,57
|
1.346.355.621,56
|
1.330.480.294,96
|
3.865.304.458,09
|
Macaé
|
482.751.937,13
|
543.718.234,23
|
517.249.964,53
|
1.543.720.135,89
|
Fonte: : STN, in: RIBEIRO, 2014
Como
se pode observar, nos três últimos anos, o total de rendas recebidas por Campos
é quase o triplo do de Macaé.
Esses valores aparecem
no PIB no setor industrial que, no caso dos dois municípios aqui analisados,
corresponde quase totalmente ao segmento extrativista do petróleo e gás. No
caso de Campos os números refletem o grande peso do valor das rendas
repassadas. Já no caso de Macaé, além das rendas, inclui as atividades
produtivas das empresas de E&P e de fornecimento de bens e serviços ao
segmento de exploração e produção. A seguir, os quadros I e II apresentam a
composição do PIB, sem desagregação dos segmentos setoriais.
Tabela 2. PIB, Valor Adicionado, a preços correntes,
2011 (1.000 R$)
Segmentos
|
Campos
|
Macaé
|
Valor
adicionado bruto da agropecuária
|
119.870
|
40.040
|
Valor
adicionado bruto da indústria
|
28.631.330
|
5.229.343
|
Valor
Adicionado bruto dos serviços
|
7.613.534
|
5.889.893
|
Imposto
sobre produtos líquidos
|
841.058
|
1.389.010
|
PIB a preços correntes
|
37.205.791
|
12.558.285
|
Fonte: IBGE, in: RIBEIRO, 2014
O PIB de Campos é quase
o triplo do de Macaé. Em Campos, o segmento industrial, inflado com os valores
das rendas petrolíferas, responde por 76,95% do PIB. Esses valores, quase 6
vezes superiores ao de Macaé, são devidos às rendas do segmento extrativista, e
não à produção, ao contrário de Macaé, cuja atividade petrolífera aparece com
destaque no segmento de serviços, composto pelas empresas que atendem ao
Complexo. Campos são contabilizados, ainda, os valores da produção
sucroalcooleira ainda existente.
O setor de serviços, em
Macaé, cujo peso no valor adicionado, 46,9%, é superior ao industrial, com
41,6%, é composto, majoritariamente, pelas empresas de serviços de alta
tecnologia, prestados diretamente às atividades de exploração e produção de
petróleo e gás, além de hospedagem e alimentação; e serviços de armazenagem,
manutenção e distribuição. Com isso, o peso da arrecadação própria, proveniente
de atividades econômicas, é superior ao de Campos; os impostos sobre produtos
líquidos, em Macaé, são, em valores absolutos, mais de 50% superiores aos de
Campos.
Portanto, nesse recorte,
as duas composições de PIB são bastante diferenciadas, refletindo a integração
desigual dos dois municípios na economia regional do petróleo.
No que tange ao setor
agropecuário em Campos, 0,32% do PIB, o dado demonstra a perda de fôlego do
setor ao longo dos anos. Embora o município preserve, em parte, sua tradição
agroindustrial, percebe-se, por sua vez, a anemia relativa na geração de
riqueza, o que demonstra que tal segmento perdeu força econômica, com o
fechamento de várias usinas de açúcar e álcool, a partir dos anos 1990,
principalmente.
A dinâmica econômica de
Campos ancora-se, hoje, em grande parte, nos repasses das rendas oriundas da
atividade de petróleo, cujos aportes no orçamento da prefeitura, mensais, no
caso dos royalties, e trimestrais, no das participações especiais, atingiram no
exercício fiscal de 2013 o valor realizado de 1,3 bilhão de reais, ou 58,55% da
receita corrente orçamentária, reflexos dos privilégios decorrentes da Lei
9.478/97. Já Macaé recebeu, no mesmo
período o quantitativo de 517,24 milhões de reais, ou 26.45% da receita
corrente orçamentária, (RIBEIRO, 2014, p: 140;150). Neste ano, Campos recebeu 150,35%,
mais rendas petrolíferas, do que Macaé.
Em 2001, o PIB, a
preços correntes, de Campos dos Goytacazes, era de 6 bilhões; após uma década
de recebimento das generosas rendas petrolíferas atinge o valor nominal de 37,2
bilhões em 2011, um salto de mais de 500%, enquanto em Macaé, passa de 2,4
bilhões a 12,6 bilhões, crescendo 425%, (Ribeiro,2014, p:24; 31).
O setor terciário, ou
de serviços, cresce, hoje, em Campos, na esteira das rendas e, ao que tudo
indica, da expectativa dos investimentos deflagrada com a implantação, a partir
de 2007, do CLIPA-Complexo Logístico e Industrial do Porto do Açu, em S. João
da Barra, na divisa norte de Campos dos Goytacazes. As evidências se
manifestam, em Campos, no aporte de capitais de grandes redes hoteleiras de
bandeiras nacional e internacional, das grandes redes nacionais e
internacionais de atacado e varejo e no aquecimento da construção civil, com a
construção de condomínios de luxo e populares, um shopping da maior rede
nacional e a presença de grifes de alimentação.
Embora o CLIPA não tenha
se confirmado na dimensão que se desenhou no projeto original, em breve
iniciará as atividades de exportação de minério de ferro e de apoio às
atividades do Complexo de E&P, com a instalação de empresas fornecedoras.
A jornalista Denise
Luna, correspondente no Rio de Janeiro do Jornal Folha de São Paulo (Caderno
Mercado B1, 26/02/2012), informava, então, a respeito de um dos empreendimentos
agregados ao projeto original do CLIPA
“O
projeto do Porto do Açu estabelece a construção pela Rex, imobiliária de Eike
Batista, de um bairro inteiro, com cerca de 40 mil habitações. O investimento
total é estimado em US$ 40 bilhões até 2025, com geração de até 50 mil
empregos. Inicialmente anunciado como uma nova cidade – a Cidade X -, o
empreendimento projetado pelo urbanista Jaime Lerner foi transformado em um
bairro. Condomínios luxuosos vão dividir o Bairro X com prédios mais populares,
propiciando espaço para executivos e trabalhadores do complexo industrial. O
projeto prevê a construção de canais que interligarão duas lagoas da cidade e o
rio Paraíba do Sul ao transporte viário. Os canais são descritos como uma
espécie de “Veneza Brasileira” a ser implantada no norte fluminense.”
Em 12/03/2013 o
escritório de arquitetura de Jaime Lerner apresentou, em audiência pública, no
município de S. João da Barra, o ambicioso projeto que, caso fosse
concretizado, impactaria radicalmente toda a região norte fluminense, uma vez
que incluía uma logística de transporte hidroviário que acessaria o Porto do Açu.
Dentro desta
configuração econômica emergente, surge a possiblidade da cidade de Campos aumentar
sua importância como o grande polo de comércio e serviços da região. O
município possui a maior rede de ensino superior e técnico-profissional do NF.
Todavia, pesquisadores,
como Serra (2004:174), manifestam preocupação quanto ao desenvolvimento
econômico de Campos, desde os primeiros anos das elevadas rendas que abarrotam
os cofres dos municípios produtores,
que criaram uma organização denominada de OMPETRO, para atuar como lobby
“Mas
essa posição saudável das finanças públicas dos municípios pertencentes a
OMPETRO é marcada por severas inconstâncias e ameaças.
Em
primeiro lugar, deve-se destacar que a saúde financeira dos municípios da
OMPETRO é determinada por forças completamente exógenas ao poder público local.
O volume de produção de petróleo, a cotação desta commodity no mercado internacional e a flutuação do câmbio são
variáveis-chave para definir as magnitudes dos depósitos de royalties no caixa
dos municípios beneficiários. Fatores, por certo, completamente alheios ao
poder público e à economia local. O resultado desta alienação entre o volume
das receitas e a dinâmica local conforma uma situação de orçamentos municipais plenamente
erráticos, que podem experimentar crescimentos fabulosos ou decréscimos
drásticos em função de fenômenos completamente insensíveis à ação local.
O
segundo ponto que merece destaque é, para além da irreversível finitude das
receitas, a possibilidade das finanças municipais minguarem em função de
mudanças nas normas que regem a distribuição dos royalties municipais acabarem
antes mesmo do petróleo. Essa é uma possibilidade real e crescente,
patrocinadas por grupos de interesses inconformados com o jorro dos royalties
em uma região geograficamente beneficiada pela natureza.”
Tais
preocupações se tornam evidentes quando se observa as taxas de crescimento
anual do PIB real, entre 2001 e 2011, em Campos e Macaé. Os índices são
elevados, tanto os positivos quanto os negativos, ilustrando a trajetória
errática do fluxo das rendas petrolíferas, como alerta Serra, conforme aparecem
nos quadros 3 e 4, e nos gráficos I e II.
Tabela 3. Campos. PIB real. Crescimento 2001-2011
(%) (deflacionado pelo IGP-M)
2001
|
2002
|
2003
|
2004
|
2005
|
2006
|
2007
|
2008
|
2009
|
2010
|
2011
|
-2,93
|
5,8
|
11,8
|
1,92
|
50,02
|
33,2
|
-17,7
|
27,85
|
-31,17
|
18,24
|
37,21
|
Fonte:
IBGE, in: RIBEIRO, 2014
Tabela 4. Macaé. PIB real. Crescimento 2001-2011 (%)
(deflacionado pelo IGP-M)
2001
|
2002
|
2003
|
2004
|
2005
|
2006
|
2007
|
2008
|
2009
|
2010
|
2011
|
14,14
|
6,4
|
12,1
|
7,2
|
11,4
|
18,1
|
-9,4
|
83,6
|
-42,5
|
41,17
|
7,1
|
Fonte: IBGE, in: RIBEIRO, 2014
Quando se analisa a
evolução percentual do PIB real constata-se acentuadas variações de queda e de
crescimento. Ainda assim, as taxas impressionam, revelando a magnitude do
impacto sobre as finanças municipais.
Em 2009 a retração
ocorrida no PIB real dos dois municípios deve ser atribuída à crise econômica
mundial, que produziu o encolhimento temporário do comércio internacional ... “Verifica-se a ocorrência e
crescimento real do PIB nos anos de 2002 a 2006, no ano de 2008 e nos anos de
2010 e de 2011. A queda em 2009, conforme já relatado, é resultado na crise
financeira internacional...” (Ribeiro (2014:24).
O comportamento do PIB
é semelhante em ambos os municípios. O PIB real é crescente, com elevação maior,
acima da média dos anos anteriores, em 2008. Em Macaé ocorre, em 2009, uma grande
queda, a curva sofre uma forte inclinação para baixo em função da crise
financeira global de 2009, chegando a - 42,5%, deixando patente a vulnerabilidade
inerente ao perfil de uma economia dependente de um único segmento. No entanto,
como já foi observado, a presença de instalações físicas de centenas de
empresas fornecedoras de bens e serviços ao setor extrativista empresta um
maior grau de segurança à economia macaense, em relação à natureza quase
exclusivamente rentista da dinâmica campista.
Do ponto de vista da
economia petrolífera Campos encontra-se mais vulnerável do que Macaé, numa conjuntura
de dependência dos humores da economia mundial, pois caracteriza-se como
município tipicamente petrorentista (Serra,2007),
isto é, município cujo orçamento e economia dependem em elevado grau de rendas
monetárias, flutuantes e vulneráveis, de commodities
primárias produzidas fora do seu território, em contraste com rendas de
arrecadação tributária originadas de atividades produtivas nele localizadas,
ainda que extrativas e vinculadas às oscilações internacionais, como é o caso
de Macaé. Registra-se, de acordo com o cenário acima, que a economia regional
desenvolve-se através dos grandes projetos de investimentos exógenos, com
vulnerabilidades distintas em Campos e Macaé.
Outro aspecto destacado
por Serra que se deve considerar diz respeito às iminentes mudanças nas normas
de distribuição dos recursos dos royalties, previstas na emenda do Deputado
Federal Ibsen Pinheiro, que diminui gradativa e drasticamente, no limite, o
percentual que hoje cabe aos municípios
produtores, onde se enquadram os dois municípios aqui abordados. A
presidenta da República vetou a emenda, os congressistas derrubaram o veto presidencial,
e os estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo ajuizaram Ação de
Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, que suspendeu a aplicação da
Emenda, mas que ainda não foi julgada pelo STF. Com certeza haverá uma profunda
crise nesses municípios, uma vez que suas despesas são dimensionadas para o
atual patamar orçamentário, ante a ausência de planejamento e de investimentos
produtivos.
III. Emprego formal em Campos dos
Goytacazes e Macaé
Quando se analisa a dinâmica do
emprego nos dois municípios analisados, ficam mais evidentes as assimetrias nos
impactos socioeconômicos, resultando em duas realidades bastante contrastantes.
A herança de um mercado de trabalho precário, informal, ou “clandestino”, em
Campos, dominado numericamente pelo trabalho no corte de cana, com uma força de
trabalho predominantemente de baixa qualificação, em contraste com o novo
mercado de trabalho gerado pelas atividades petrolíferas em Macaé, onde estão
as empresas do Complexo, concentrou um volume de trabalhadores formalizados e
com salários médios bem superiores em Macaé.
Tabela 5. Trabalho Formal e Salário Médio em Campos
e Macaé, 2012
Indicadores
|
Campos
dos Goytacazes
|
Macaé
|
Pessoal
Ocupado Assalariado
|
91.727
Pessoas
|
142.551
Pessoas
|
Pessoal
Ocupado total
|
105.533
Pessoas
|
150.068
Pessoas
|
Salário
Médio Mensal
|
2,3
salários mínimos
|
7,5
salários mínimos
|
Fonte: IBGE- Cadastro
Central de Empresa, 2012. Campos
Aqui aparecem, com mais nitidez,
as disparidades na conformação da economia dos dois municípios. Com menos da
metade da população e menos de um terço da área, e bem menos rendas, Macaé possui um mercado de trabalho
assalariado maior do que o de Campos, e com 40% a mais de assalariados formais.
Embora o PIB de Campos seja o triplo, seu mercado de trabalho é inferior ao de
Macaé, asism como o nível de formalização dos vínculos. Aí reside o principal
aspecto que se quer destacar quanto aos impactos territoriais da economia
regional do petróleo, tomando como exemplo os dois municípios mais dinâmicos,
economicamente, do NF.
O mercado de
trabalho de Macaé configura-se como um mercado empresarial vinculado a um
segmento de alta competitividade, dada a sua inserção internacional, o que
reflete, além do elevado grau de formalização, nos níveis salariais, dadas às
exigências de qualificação. A média salarial em Macaé é mais do que o triplo da
de Campos. É óbvio que Campos ganha com o mercado de trabalho do vizinho, uma
vez que grande parte dessa força de trabalho de Macaé é de trabalhadores
residentes em Campos, pois os dados referem-se ao local das empresas
declarantes. O que se quer enfatizar é a diferença entre as estruturas e
dinâmicas econômicas dos dois municípios que polarizam a economia regional.
Macaé possui uma economia empresarial. Campos ainda patina numa economia de
rendas.
A análise do
saldo anual do emprego nos dois municípios confirma que as duas economias são
dinâmicas, com crescente geração anual de trabalho, mesmo com os percalços de
2007, 2009 e 2012 em Campos, e de 2009, em Macaé, conforme as tabelas 7 e 8.
Tabela 6. Saldo do emprego formal, em unidades de
trabalhadores. Campos
2007
|
2008
|
2009
|
2010
|
2011
|
2012
|
2013
|
-2.590
|
1.989
|
-183
|
3.239
|
3.508
|
-370
|
2.782
|
Fonte:
MTE, in: RIBEIRO, 2014
Tabela 8. Saldo do emprego formal, em unidade de trabalhadores.
Macaé
2007
|
2008
|
2009
|
2010
|
2011
|
2012
|
2013
|
6.796
|
10.013
|
-87
|
7.807
|
11.507
|
5.142
|
3.965
|
Fonte: MTE, in: RIBEIRO, 2014
Pontuar-se-á, aqui, os setores objeto da destruição de
empregos, conforme expressão cunhada por Ribeiro (2014:99). Em Campos, nos anos
de 2007, 2009 e 2012, os saldos foram negativos, tendo sido destruídos 2.590, 183
e 370 empregos, respectivamente. Os setores responsáveis por tais eventos nos
aludidos exercicios foram, segundo Ribeiro (2014:99)
“Em 2007, não houve criação de
empregos; ao contrário, houve destruição de empregos, onde o setor de serviços
foi o setor que mais desligou pessoal, seguido pelo setor agropecuário.
Em 2009 foi verificado, mais uma
vez, o fenômeno da destruição de empregos, onde o setor agropecuário contribui
efetivamente para o processo, seguido pela construção civil.
Em 2012, o municipio destruiu
empregos, consequência do forte processo de demissões da construção civil, que
gerou um saldo negativo de 1863 empregos, com reflexos no comércio, que gerou
um saldo negativo de 236 empregos”.
O município de Macaé,
no período de 2007 a 2013, apresentou um saldo de emprego constante, com ligeiro
desvio em 2009, quando se aferiu uma queda, com o saldo negativo de 87
empregos, muito provavelmente devido ao impacto da crise financeira americana. O
elevado saldo do emprego ao longo do período acima, deixa claro que a dinâmica
da economia local constitui-se significativa e sustentável, enquanto a economia
do petróleo for forte, tendo em vista que em Macaé encontra-se instalada a base
da indústria extrativa, com perspectivas de aumento da produção, com a entrada
de novas grandes empresas, após a Lei do Petróleo, de 1997, e com a exploração
da camada do Pré-Sal.
O setor de serviços demonstra intensa pujança
na geração de emprego e renda ao longo do período, com o domínio das empresas
prestadoras de serviços ao Complexo de E&P naquela cidade, cujo volume de
negócios e salários impacta, também, o comércio.
Conforme afirma Ribeiro
(2014, :109), com relação a Macaé
“Em 2007 foram geradas 6.796
novas vagas de emprego, concentrados em 73,81% no setor de serviços e 15,99% na
indústria de transformação. Em 2008, verificou-se uma melhor distribuição
setorial do emprego. O setor de serviços presentou uma contribuição
proporcional de 27,91% a indústria da transformação 10,41%, a construção civil
39,49% e o comércio 12, 46%. Em 2009, o resultado negativo foi pressionado pelo
elevado desemprego no setor da construção civil, que destruiu 3.246 vagas de trabalho
no ano. No ano de 2010 verificou-se a recuperação do emprego, com a criação de
7.807 novas vagas. Destas, o setor e serviços participou com 82% e o comércio
com 11,57%. Em 2011, o setor de serviços voltou a concentrar a geração de
emprego, com uma taxa de 61,10%, seguido pelo setor da construção civil, com
14,90%, e da indústria de transformação, com 13,46%. Em 2012, o emprego, em
processo de desaceleração, concentrou 53,71% na construção civil e 28,59% no
setor de serviços. Em 2013, o saldo em queda foi empurrado pela indústria de
transformação, que destruiu 2.048 vagas, ao mesmo tempo em que o setor de
construção civil que criou 6.226 vagas no ano. (Ribeiro, 2014:108)
Mais uma vez se
confirma que o setor de serviços de Macaé agregou valor ao PIB na mesma
proporção do setor industrial, ao contrário de Campos, onde o PIB industrial advém
das rendas petrolíferas, e no qual o valor agregado pelos serviços é bem
inferior ao de Macaé, tendo por referência o ano de 2011.
A análise da evolução
da renda média do trabalho nos dois municípios reforça a percepção do
predomínio de dois perfis distintos de especialização do mercado de trabalho.
Embora o valor médio tenha diminuído, no período analisado, entre 2004 e 2012,
nos dois municípios, o patamar do valor médio dos salários em Campos mantém-se
em um terço do de Macaé, indicando a manutenção de um mercado de trabalho de
baixa qualificação, de base empresarial com grau maior de informalidade –
conforme os dados do trabalho formal revelaram – e em atividades de nível
tecnológico inferior ao de Macaé.
Tais dados apontam para
o fato de que, até o momento, só Macaé tem ganhos importantes na dimensão e na
qualidade do mercado de trabalho, com a economia do petróleo. O mercado de
trabalho de Campos vem resistindo à contaminação do perfil empresarial moderno
do mercado de Macaé, típico da economia do petróleo, a despeito da cidade
possuir uma importante e completa rede de unidades de qualificação de
mão-de-obra.
Tabela 9. Renda Média do Trabalho em Campos dos
Goytacazes (salários mínimos)
2004
|
2005
|
2006
|
2007
|
2008
|
2009
|
2010
|
2011
|
2012
|
3
|
2,73
|
2,62
|
2,47
|
2,51
|
2,58
|
2,59
|
2,43
|
2,56
|
Fonte
(Ribeiro,2014, palestra no dia 07/05/214 no FUNDECAM)
Tabela 10. Renda Média do Trabalho em Macaé
(salários mínimos)
2004
|
2005
|
2006
|
2007
|
2008
|
2009
|
2010
|
2011
|
2012
|
9,7
|
9,06
|
8,35
|
8,41
|
8,54
|
8,5
|
7,71
|
7,16
|
8,01
|
Fonte:
(Ribeiro, 2014, palestra no dia 07/05/2014 FUNDECAM)
A aparente tendência ao
rebaixamento dos valores médios dos salários, nos dois municípios, pode ser
atribuído, dentre outros fatores, à crescente terceirização do emprego no setor
petrolífero, o que tem levado ao aumento da precarização e à diminuição dos
salários médios. No entanto, o fenômeno merece investigação mais profunda e
detalhada.
IV. Considerações finais
Mesmo
considerando-se as tendência à especialização, polarização e concentração
inerentes à dinâmica econômica, mais acentuadamente no caso de uma atividade
extrativa, como a da economia petrolífera do NF, sem internalização regional de
qualquer segmento, a montante e a jusante, da cadeia de beneficiamento, este
breve trabalho buscou destacar algumas evidências desse fenômeno e as
distorções socioespaciais que ele gera, utilizando-se da análise da composição
do PIB e de alguns aspectos do mercado de trabalho, dos dois municípios-polo
regionais, Campos e Macaé. Não se trata de uma análise comparativa, uma vez que
não há equivalência de base territorial e demográfica, além das diferenças nas
trajetórias e nos papéis representados historicamente na economia regional.
Trata-se de buscar indicadores das diferenciações, assimetrias e desigualdades
na conformação das economias municipais afetadas pelo perfil da economia
regional do petróleo.
A
análise dos dados demonstrou que a maior economia regional, Campos dos
Goytacazes, em termos absolutos, possui maiores fragilidades do que a do
município-sede do Complexo de E&P, Macaé, pela sua composição
dominantemente rentista e tradicional, em contraste com o peso da economia
produtiva e moderna, deste último.
Ambos,
no entanto, possuem vulnerabilidades decorrentes, não só da restrição
extrativista do Complexo, quanto da sua sensibilidade à volatilidade do
comércio internacional de petróleo, por um lado; e, por outro, da perspectiva
de redução drástica na nas rendas, ante a ameaça da Emenda Ibson. Macaé, no
entanto, ao sediar empresas do Complexo, possui, aparentemente, mais recursos,
em estrutura industrial e de serviços de alta tecnologia, a lançar mão, para
compensar futuras perdas de royalties e
de participações especiais.
O
problema remete ao desafio de romper com o monopólio da economia petrolífera sobre
os recursos territoriais regionais e de construir uma economia diversificada e
bem distribuída espacialmente, o que requer planejamento e articulação de
escalas de governo supra-locais nesse processo.
IX- Referências Bibliográficas:
CRUZ, J. L. V. (2003). Projetos
nacionais, elites locais e regionalismo: desenvolvimento e dinâmica territorial
no Norte Fluminense entre 1970 e 2000. Tese de Doutorado, Rio de Janeiro:
IPPUR/UFRJ, 340p.
Jornal
Folha de São Paulo, Caderno Mercado B1, Obstáculos travam Porto de Eike no Rio,
reportagem da Jornalista Denise Luna, 26/02/2012. Disponível em: www.portodesantos.com.br/clipping.
Jornal
Terceira Via- Campos dos Goytacazes-RJ- reportagem Jaime Lerner e o poder
público apresentam nova SJB à população
em 12/03/2013. Disponível em : www.jornalterceiravia.com.br/notícias/campos
_ dos goytacazes_/jaime_lerner.
RIBEIRO,
Alcimar das Chagas. Palestra no Fundo de Desenvolvimento de Campos-FUNDECAM,
07/05/2014.
PIQUET,
Rosélia; SERRA, Rodrigo. Petróleo e Região no Brasil. Riode Janeiro: Editora Garamond,
2007.
PIQUET, Rosélia;
CRUZ, J. L. V; VILANI, Machado Rodrigo (Orgs). O desafio da abundância, 10 anos
do Boletim Petróleo, Royalties e Região. Rio de Janeiro: Editora Garamond,
2013.
RIBEIRO, Alcimar
das Chagas. A Economia do Norte Fluminense, análise e perspectiva. Campos dos
Goytacazes: Editora Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, 3ª Edição, 2014.
SERRA, Rodrigo.
Sobre o advento dos municípios “novos ricos” nas regiões petrolíferas
nacionais. In: PESSANHA, Roberto
Moraes; Silva, Neto e Romeu, Orgs.; Economia e Desenvolvimento no Norte
Fluminense ( da cana-de-açúcar aos royalties do petróleo); Editora WTC, 2004,
p. 174.
TCE-RJ.
Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro. Estudos socioeconômicos. Rio de
Janeiro: http://www.tce.rj.gov.br/70
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